PRONÚNCIA - HOMICÍDIO- TORPE - DISSIMULAÇÃO
www.soleis.adv.br

PROC. Nº 00/95 – PRONÚNCIA - HOMICÍDIO

Vistos etc...

 

01.       ANTONIO, paraense, filho de Pedro ... e  Celeste ..., foi denunciado pela ilustre representante do Ministério Público, imputando-lhe a prática do delito capitulado no art. 121 (homicídio),   § 2º (homicídio qualificado), incisos I (motivo torpe),  III (por motivo cruel) e IV (mediante dissimulação)  do Código Penal, argumentando que “policiais encontraram no quintal da residência localizada na Av. Independência, s/nº, a vítima MARIA, ainda com vida e consciente, mas completamente ensangüentada face os inúmeros golpes de terçado que sofreu; em outro compartimento da casa encontrava-se o denunciado ainda de posse da arma do crime (terçado marca Tramontina, tamanho médio); ao perceber a presença da Polícia tentou resistir à prisão mas foi detido e autuado em flagrante; a vítima conviveu com o denunciado por mais de dezenove anos mas em virtude de seu comportamento agressivo já havia desistido da convivência; o denunciado não aceitou a separação; nutria ciúme doentio pela vítima; fantasiou que a mesma se relacionava amorosamente com outra pessoa; convenceu a vítima a retornar para São Caetano, fazendo-se de amigo e prometendo controlar seu ciúme; no dia em que a vítima retornou o denunciado consumiu bebida alcoólica; convidou a vítima a acompanhá-lo a sua residência, propôs fazerem amor, sendo recusado tentou forçá-la a manter relações sexuais, não conseguindo; tomado de ciúme afirmou que se a vítima não lhe pertencesse não seria de mais ninguém; aplicou-lhe violento golpe na cabeça com um vaso; pegou um terçado e desferiu golpes nos membros superiores, inferiores e onde mais pegasse, causando as lesões responsáveis pelo falecimento da vítima” (fls. 02/05) 

02.       A denúncia, acompanhada do rol de 03 testemunhas e dos autos do inquérito policial, foi recebida em 28 de março de 1995, quando foi determinada a citação do réu e designada a audiência para o seu interrogatório. (fls. 02) 

03.       Regularmente citado, e tendo comparecido em Juízo e sido qualificado e interrogado, o réu afirmou que “são verdadeiras as acusações contra sua pessoa; que no dia 28 de janeiro a vítima saiu de casa sem dizer para onde tinha ido; que vinha notando indiferença da vítima como mulher; que a vítima arranjava motivos fúteis para discutir com o depoente; que tomou conhecimento de que a vítima estava de caso amoroso com um cabo da PM; que comunicou o fato aos filhos e disse que não daria mais certo a vida em comum e iria pedir que a vítima saísse de casa; que por volta das dez horas começou a beber e por volta das seis horas da tarde já estava bastante alcoolizado; a vítima disse que queria falar com o depoente e que passaram a discutir, quando a vítima vai para a cozinha pega uma faca e parte para cima do depoente, dando-lhe um golpe na mão esquerda e a partir desse momento não lembra mais de nada, só recobrando os sentidos quando chegaram policiais para prendê-lo sob a acusação de ter matado Maria; que não bebeu para premeditar o crime pois nunca passou por sua cabeça praticar tal ato.” (fls. 30/31). 

04.       A defesa, no prazo legal, declarou que ”o paciente conviveu maritalmente por mais de 20 anos com a vítima; em fins de 1994 a vítima começou a trair o paciente, mantendo conjunção carnal clandestina na própria residência da família; o paciente ouvia chacotas de seus fregueses; a vítima sem se importar com o estado de saúde do defendente, que é epiléptico, disse-lhe que tinha um caso com o Cabo PM; que a vítima transferia para o amante o que podia lançar mão do produto financeiro da mercearia do marido; o defendente pediu à vítima que não abandonasse o lar e esta lhe retribuiu com impropérios, sucedendo-se desforço físico e a vítima armou-se de uma faca, fato que obrigou o defendente a se defender; que não teve a intenção de matar sua companheira, numa situação de que nada se lembra; que não nega a autoria do delito; que se trata de homicídio passional; que há se considerar a minorativa da pena; que seja substituída a medida repressiva opor medida de segurança”.  Arrolou 13 testemunhas (fls. 45/47). 

05.       O processo teve o seu curso normal e, no sumário de culpa, foram inquiridas as testemunhas  Costa , Siqueira e  Pereira ( fls. 66/71), arroladas pela acusação; e, Rodrigues,  Rose ;  Rendeiro, Jorge , Ademar , (fls. 81/89), Manoel , Janaina , Monteiro, Jandira ,  Izaurina ,  ( fls. 101/108) arroladas pela defesa; realizadas, por requerimento da acusação, acareações entre Ademar  e Rodrigues, e Ademar  e Rose  (fls. 188/189); na fase do art. 407 do Código de Processo Penal foram ouvidas as testemunhas Maria Benedita  e Benedito   (fls. 190/191) requeridas pelo Ministério Público. 

06.       Às fls. 19 consta certidão negativa de antecedentes criminais, datada de 21.02.95, mas às fls. 35, com data de 23.03.95, registra antecedentes criminais relativos ao denunciado, expedientes oriundos do Instituto de Identificação da Secretaria de Segurança Pública do Pará; às fls. 64 há certidão de que, no rol dos culpados, não consta o nome do réu. 

07.       A acusação, em alegações finais de fls. 127/131,  argumenta “preliminarmente: que refuta o exame de eletroencefalografia quantitativa da atividade elétrica cerebral vez que procedido sem atender as formalidades legais, requerendo a sua nulidade. No mérito: reiterou os termos da denúncia, vez que a materialidade resta provada; a autoria encontra-se fartamente individualizada e exaustivamente imputada ao acusado; que o réu, após colocar-se em estado de embriaguez alcoólica desferiu várias facadas na vítima, além de arremessar-lhe sobre a cabeça um vaso grande de cerâmica, produzindo-lhe lesões em várias partes do corpo, afundamento dos ossos fronto parietais, com traumatismo encefálico, o que ocasionou a sua morte; que são improcedentes as justificativas de que estivesse em crise epiléptica; que a confissão demonstra a prática delituosa não pela notícia de traição mas porquê não se conformara com a separação; que não prevalecem as formas privilegiadas do relevante valor social  e valor moral; que as provas revelam a premeditação, vez que dias antes do crime  já era sabedor da suposta infidelidade; que preordenou sua embriaguez para cometer o delito; quanto a dissimulação, redunda na ocultação da intenção hostil para acometer a vítima de surpresa; age com falsas mostras de amizade.” Requereu que o réu seja pronunciado nas sanções do art. 121, § 2o, I, III e IV do Código Penal, sujeitando-o ao Júri Popular, para ser condenado à pena máxima. Citou jurisprudência e doutrina. 

08.       A defesa, nas alegações finais de fls. 136/149, após citar trechos da denúncia, das declarações das testemunhas, apresentou as razões na forma seguinte: “que o denunciado está sendo acusado da prática de homicídio qualificado, mas não se encontram na peça acusatória os elementos necessários; contesta o articulado pela acusação, por não restar provada; há depoimentos falsiados pela falta de verdade; as testemunhas ouvidas na policia não viram o crime; a materialidade do delito está devidamente comprovada, quanto à imputação não se conhece os motivos que levou a agir e por fim ter o óbito da vítima; entre vítima e acusado havia o amor, pois se o acusado maltratasse a vítima, o que não foi provado,  o relacionamento não duraria 19 anos;  está configurada a materialidade do delito, mas o laudo cadavérico é totalmente imprestável, vez que não traz quantas feridas e nem o que causou o óbito da vítima; a prova testemunhal fraca não dá ao juízo a certeza da autoria, inclusive conduzida pela presidente da instrução com ânimo de parcialidade; requereu o não acatamento das qualificadoras, por não estarem presentes nos autos, existindo alegações com sentimento trazido por emoções;  o motivo torpe é o homicídio mercenário, não ocorrendo nos crimes passionais; quanto ao meio cruel só se produz quando há padecimento físico inútil ou mais grave do que o necessário e suficiente para consumação do ilícito; quanto a impossibilidade de defesa da vítima, não há quem contradiga quem iniciou a discussão e sobre a arma usada pela vítima.” Face as ausências de qualificadoras, requereu a impronúncia do denunciado ou desclassifique o crime para homicídio simples. 

09.       Foi requerido o exame de insanidade mental do acusado, tendo o incidente sua tramitação legal, quando veio aos autos o laudo pericial emitido pelo Instituto Médico Legal Renato Chaves, que sob o ponto de vista psiquiátrico-forense reconhece que Antonio, “por perturbação da saúde mental, ao tempo da ação, parcialmente capaz de entender o caráter delituoso dos fatos e parcialmente capaz de determinar-se de acordo com esse entendimento, ficando ao abrigo do previsto no parágrafo único do art. 26 do CPB, na condição de semi-imputável”. 

          É O RELATÓRIO. DECIDO. 

10.       O art. 408 do Código de Processo Penal estabelece que o Juiz pronunciará o réu quando se convencer da existência do delito e houver indícios de ser ele o seu autor. 

11.       Na decisão de pronúncia é vedada ao Juiz a análise aprofundada do mérito da questão, tendo em vista ser atribuição dos integrantes do Conselho de Sentença do E. Tribunal do Júri julgar, por força de preceito constitucional. 

12.       Inobstante essa vedação, a fundamentação é indispensável, conforme preceitua o mesmo dispositivo, daí a circunstância de discorrer sobre os elementos contidos nos autos. 

13.       A materialidade do delito está contida no laudo de exame cadavérico de fls. 15.   

14.       O denunciado, ao ser interrogado em Juízo, afirmou “que são “verdadeiras as acusações contra sua pessoa”; que não bebeu para premeditar o crime”. (fls. 30-v); 

 15.      A testemunha  Siqueira ouvida em Juízo,  declarou que “ao chegar ao local do crime pode verificar a presença de um investigador de prenome Amador que tentava prender o acusado que acabara de praticar um crime na pessoa de sua esposa.” (fls. 68-v). A testemunha  Pereira, declarou “que teve de interferir no caso pois chegou a segurar o acusado, pai de sua namorada, pelo braço para transportar de um compartimento da casa para outro, como quem tentando acalmá-lo pois o acusado já teria cometido o delito.” (fls. 70-v). A confissão e a declaração das testemunhas são indícios suficientes da autoria do crime praticado pelo denunciado. 

16.       Através das provas apuradas não encontro elementos que me convençam de ter o denunciado agido em legítima defesa. 

17        Ocorre a qualificadora do motivo torpe se o acusado, sentindo-se desprezado pela companheira, resolve vingar-se, matando-a . 

18.       Meio cruel é caracterizado pelos atos que produzam padecimento físico inútil ou mais grave do que o necessário e suficiente para a consumação do crime. 

19.       A dissimulação , segundo Nelson Hungria, “é a ocultação da intenção hostil, para acometer a vítima de surpresa. O criminoso age com falsas mostras de amizade, ou de tal modo que a vítima , iludida, não tem motivo para desconfiar do ataque e é apanhada desatenta e indefesa”. 

20.       Do constante dos autos, constatamos os indícios das qualificadoras acima comentadas e é pacífica a jurisprudência dos Tribunais pátrios no sentido de que devem ser acatadas pela decisão de pronúncia as qualificadoras propostas pela inicial penal, para o efeito de serem submetidas à apreciação do E. Conselho de Sentença, salvo se “manifestamente improcedentes”,  

21.       Por força do disposto no art. 7º da Lei de Introdução ao Código de Processo Penal, ao juiz da pronúncia, ao classificar o crime, consumado ou tentado, é vedado reconhecer a existência de causa especial de diminuição da pena, daí deixarmos à sábia decisão do E. Tribunal do Júri a apreciação quanto à redução da pena de que trata o art. 26, § 1º do Código Penal, pela semi-imputabilidade reconhecida pelo laudo pericial de insanidade mental. 

22        Crime com esta capitulação, praticado após 06.09.1994, é considerado hediondo por força da Lei nº 8.930, de igual data. 

23.       Assim sendo, atendendo ao que dispõe o art. 408 do Código de Processo Penal,   JULGO  PROCEDENTE A DENÚNCIA,  para  PRONUNCIAR o réu ANTONIO ...,  como incurso nas penas do art. 121, § 2º, inciso I, III e IV do Código Penal, por crime praticado contra Maria, sujeitando-o ao julgamento do Egrégio Tribunal do Júri.  

24.       Em respeito ao princípio da inocência, deixo de determinar-lhe o lançamento do nome no rol dos culpados.        

25.       Considerando que o réu ANTONIO é primário, se encontra em liberdade,  não se conhecendo novo ilícito praticado durante a tramitação da ação penal, com amparo no art. 408, § 2º do Código de Processo Penal, deixo de ordenar-lhe a prisão, sem olvidar que a mesma poderá ser decretada se sobrevierem razões que a justifique. 

          Publique-se. Intimem-se. Registre-se. 

              São Caetano de Odivelas (PA), 29.outubro.1999  

                   Carlos Alberto Miranda Gomes
         
          
Juiz  de  Direito  – Presidente  do E. Tribunal do Júri

Início

www.soleis.adv.br          Divulgue este site