Violência,
luto e vergonha |
Oswaldo Melo
Político
A constatação de que o Brasil é um dos países mais violentos do
mundo, feita por organismos internacionais, podia surpreender e até
causar algum tipo de comoção em outras épocas. Não, porém, nesses
malsinados tempos em que vivemos, nesses dias lutuosos marcados pela
violência sem limites, pelas chacinas, pelas mortes brutais. Temos
cidades, entre elas a ex-capital da República, sob o controle dos barões
do narcotráfico e de outras ramificações do crime organizado. Temos
uma sociedade assustada, acuada, encurralada, temerosa de sair às ruas,
enquanto o banditismo avança, domina os espaços públicos e vai
ampliando o seu império de terror.
A violência está de tal forma generalizada entre nós que a população
até parece admitir como natural a torrente de desastres que diariamente
lhe inunda o lar e o local de trabalho, seja através dos jornais, das
ondas de rádio ou do noticiário televisão. Todos nós, em maior ou
menor grau, estamos de certa forma anestesiados, insensibilizados. Mais
que desastres, são verdadeiras agressões ao senso comum, ataques
ultrajantes à nossa condição humana e à nossa formação cristã. A
sociedade brasileira está capitulando ao crime, abdicando de sua própria
soberania. O Brasil, no vácuo da omissão, da incompetência e da
pusilanimidade, está se curvando à sanha dos criminosos.
Parece que faz tempo, mas há apenas quatro meses tivemos, nas ruas
centrais do Rio de Janeiro, cenas de terror que retratam bem a realidade
dos nossos dias. Ônibus e carros queimados, coletivo com passageiros
metralhado em importante avenida, bomba caseira estilhaçando vidros de
hotel de luxo, ataque a mercado em bairro chique, disparos de arma
pesada contra um shopping-center, tiros e coquetéis molotov em metrô.
Foram cenas que envergonharam o Brasil e enlutaram os brasileiros.
Passado o vendaval, secundado como sempre por inflamados discursos de
políticos e autoridades, todos eles anunciando medidas enérgicas para
a área de segurança, o que se viu foi a mesmice de sempre, a falta de
ação, a inoperância, mantendo-se o campo aberto para a ação
desenvolta dos criminosos.
O Brasil está vivendo uma situação de emergência, que só pode ser
enfrentada com medidas duras. Nenhum país minimamente desenvolvido e
nenhuma sociedade que se pretende civilizada pode conviver com esse
estado de barbárie que nos remete aos períodos mais negros dos primórdios
da humanidade. O Brasil precisa urgentemente se desfazer do estigma de
que é um país sem lei, sem autoridade e completamente entregue à fúria
do banditismo.
Que esta não é uma tarefa fácil todos nós sabemos. Devemos entender
que o restabelecimento da paz social vai exigir de todos uma mudança drástica
de posturas, de valores e atitudes - dos governantes, dos políticos,
das instituições e da sociedade, através de suas entidades
representativas.
O governo precisará adotar medidas excepcionais, compatíveis com a
gravidade da situação.
Em alguns casos, as próprias Forças Armadas provavelmente terão que
intervir. Nos aparelhos de segurança, será necessário fazer um
expurgo em regra para afastar os maus policiais, nos mais diferentes níveis,
que estejam comprovadamente a serviço dos grupos criminosos. O próprio
Poder Judiciário terá que adotar, por iniciativa própria, atitudes
mais severas no sentido de punir e afastar os magistrados envolvidos em
práticas delituosas ou ineptos na aplicação das leis. Do Legislativo,
exige-se uma decisão firme no sentido reformar e atualizar a legislação,
expungindo as brechas legais hoje existentes que facilitam toda sorte de
ardis protelatórios, escancarando as portas para a impunidade e
transformando a Justiça num castelo de luxo sob exclusivo alcance das
classes mais ricas.
As ações saneadoras devem atingir fundo, também, o sistema penitenciário
brasileiro, no plano federal e nos Estados, de tal forma que os presídios
deixem de funcionar como hotéis de luxo e escolas do crime, mas como
estabelecimentos de reclusão para os bandidos efetivamente perigosos e
casas de recuperação para autores dos delitos de menor gravidade. A própria
OAB precisa rever seus métodos, de forma a garantir que os advogados
passem a atuar, de fato, como forças auxiliares da Justiça,
patrocinando a legítima defesa dos criminosos, o que é de direito, e não
como serviçais do crime, como em muitos casos acontece hoje.
Tudo isso e muito mais será necessário para dar à sociedade
brasileira, cada vez mais aflita e angustiada, o sentimento de segurança
que ela hoje não tem. Os brasileiros têm pelo menos o direito de
exigir de seus governantes, dos políticos e das instituições, a
vontade, a firmeza e a determinação no sentido de enfrentar e combater
os criminosos.
É inaceitável, para quem trabalha, paga impostos e procura levar uma
vida digna, encarar uma situação de tal forma anômala que a defesa
dos direitos humanos chega a se confundir com proteção ao banditismo.
Intoleráveis, também, são evasivas como a aprovação de leis para
restrição ao porte e uso de armas, gesto inócuo e demagógico que
tende a tornar ainda mais indefesa a população já carente de uma
segurança que o Estado não consegue dar. Os cidadãos de bem não usam
armas, ou não as têm para andar por aí assaltando, roubando, matando.
Já os bandidos, que matam e roubam, estes não precisam de registros e
nem de autorizações para comprar e carregar armas, com as quais
circulam livremente. Para isso dispõem do contrabando, que lhes põe às
mãos armamentos ultra-modernos, mortíferos e com alto poder de destruição. Ou compreendemos tudo isso, encetando uma reação à altura, ou em futuro próximo será tarde demais. 05.06.2004 |
Fonte: Jornal "O Liberal" - Pará - Edição de 21.09.2003 |
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