Venda de imóvel do filho

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Zeno Veloso
Jurista

   O tema deste artigo já foi abordado por mim, há algum tempo, quando ainda estava vigorando o antigo Código Civil brasileiro, de 1916. 

Mas um fato semelhante ao que inspirou o escrito anterior acaba de acontecer, de maneira que volto ao  assunto, hoje, diante do vigente Código Civil, que começou a vigorar em 2003.

Apareceu-me um senhor no cartório em que trabalho, e ele me disse que no ano de 2000 havia comprado um apartamento em nome de seu filho, que tinha apenas dois anos de idade, e o garoto acaba de completar treze anos. 

Mas surgiu a necessidade imperiosa de vender o imóvel, para pagamento de dívidas que já estão vencidas, e ainda haverá de sobrar dinheiro para adquirir um apartamento menor, mais barato, para o qual a família se mudaria. 

O pai, que não conseguia esconder a angústia que o possuía, apresentou a escritura do imóvel e perguntou que outros documentos eram requeridos e em quanto tempo a nova escritura de compra e venda ficaria pronta para ser assinada, pois havia urgência.

Expliquei-lhe que, infelizmente, as coisas não eram tão simples, assim, e que ele não podia vender o imóvel que é de propriedade do filho, sem atender, antes, certas exigências legais, inclusive, uma autorização judicial. 

Mas o homem não se conformou, disse que havia consultado um amigo dele, que “entendia do assunto”, e este informou que o negócio podia ser feito, sim.

 Em seguida, tirou do bolso umas anotações que o amigo havia dado e passou a argumentar: os filhos, enquanto menores, estão sujeitos ao poder familiar (antigamente chamado pátrio poder), competindo esse poder familiar aos pais, e na falta ou impedimento de um deles, o outro o exercerá com exclusividade, cabendo aos pais - e na falta de um deles ao outro - representar os filhos menores de 16 anos, nos atos da vida civil, e o pai e a mãe, enquanto no exercício do poder familiar, são usufrutuários dos bens dos filhos e têm a administração dos bens dos filhos menores sob sua autoridade; e tudo isso consta nos arts. 1.630, 1.631, 1.634, inciso IV, e 1.689, incisos I e II, do Código Civil, “como o senhor deve saber”, acrescentou.

Pacientemente, e solidário com a ansiedade daquele pai de família, concordei que os artigos mencionados, de nosso Código Civil, dizem realmente, tudo aquilo que o amigo dele havia informado, mas nenhum desses artigos o autorizava, mesmo como titular e no exercício do poder familiar, a vender um imóvel de propriedade do filho.

No Código Civil revogado, a questão vinha prevista no art. 386, e no Código Civil vigente o assunto está resolvido no art. 1.691, que faz parte do subtítulo que dispõe a respeito do usufruto e da administração dos bens de filhos menores. 

Depois de estatuir, no art. 1.689, que os pais são usufrutuários dos bens dos filhos e têm a administração desses bens, o art. 1.691 do Código Civil estabelece que não podem, porém, alienar ou gravar de ônus real os imóveis dos filhos, nem contrair, em nome deles, obrigações que ultrapassem os limites da simples administração, salvo por necessidade ou evidente interesse da prole, mediante prévia autorização do juiz.

Em regra, portanto, prevalece a regra proibitiva: a alienação, no caso, é vedada. Excepcionalmente, a venda poderá ocorrer, observado o que estatui o aludido art. 1.691. 

Assim sendo, é necessário um procedimento judicial, com a participação do Ministério Público, devendo ser comprovada em juízo a necessidade ou evidente interesse da prole. 

Se o juiz se convencer de que estão atendidos os requisitos legais, expedirá o alvará, autorizando a alienação do imóvel, e esse alvará deve ser levado ao tabelião, que o arquivará, e mencionará na escritura. 

Alexandre Assunção (Código Civil Comentado, Editora Saraiva, São Paulo, 7ª ed., 2010, pág. 1690) enuncia que o objetivo da norma (art. 1.691) é a garantia, a preservação do patrimônio do menor, assim como a segurança do terceiro que integra a relação jurídica.

A alienação de imóvel do filho menor sem a observância desses requisitos, dessas formalidades essenciais, sem a prévia autorização judicial, através de alvará, mesmo que algum tabelião, por absurdo, tenha lavrado a escritura, é nula de pleno direito, e o comprador, coitado, poderá sofrer um prejuízo de grande monta.                     

24.10.2014 

Fonte: Jornal O Liberal - Edição de 05.11.2011

Código Civil - Art. 1.630. Os filhos estão sujeitos ao poder familiar, enquanto menores.

Art. 1.631. Durante o casamento e a união estável, compete o poder familiar aos pais; na falta ou impedimento de um deles, o outro o exercerá com exclusividade.
Parágrafo único. Divergindo os pais quanto ao exercício do poder familiar, é assegurado a qualquer deles recorrer ao juiz para solução do desacordo.

Art. 1.634. Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores:
I - dirigir-lhes a criação e educação;
II - tê-los em sua companhia e guarda;
III - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem;
IV - nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar;
V - representá-los, até aos dezesseis anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento;
VI - reclamá-los de quem ilegalmente os detenha;
VII - exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição.

Art. 1.689. O pai e a mãe, enquanto no exercício do poder familiar:
I - são usufrutuários dos bens dos filhos;
II - têm a administração dos bens dos filhos menores sob sua autoridade.

Art. 1.691. Não podem os pais alienar, ou gravar de ônus real os imóveis dos filhos, nem contrair, em nome deles, obrigações que ultrapassem os limites da simples administração, salvo por necessidade ou evidente interesse da prole, mediante prévia autorização do juiz.

Parágrafo único. Podem pleitear a declaração de nulidade dos atos previstos neste artigo:
I - os filhos;
II - os herdeiros;
III - o representante legal.

 

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