Usufruto simultâneo 

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zeno veloso
Jurista 

     Uma leitora desta coluna procurou-me recentemente, relatando um episódio muito interessante e que, sem a devida cautela, pode gerar confusão na solução jurídica do fato. Ela e sua irmã são usufrutuárias de um bem imóvel. A dúvida é a seguinte: falecendo uma das irmãs, como ficaria o usufruto da que morrer? Extingue-se ou a parte de uma acresce à da outra? Como tudo em Direito, a resposta depende do caso concreto, como explicarei a seguir.

   O Código Civil de 1916 (artigo 713) conceituava o usufruto como o direito real de fruir as utilidades e frutos de uma coisa enquanto temporariamente destacado da propriedade. 

De acordo com o Código Civil de 2002 (artigo 1.390), o usufruto é um direito real que pode recair em um ou mais bens, móveis ou imóveis, em um patrimônio inteiro, ou parte deste, abrangendo-lhe, no todo ou em parte, os frutos e utilidades. O seu titular, chamado de usufrutuário, tem o poder de usar, gozar, possuir, administrar ou perceber os frutos gerados do bem gravado com este direito, sob certa condição ou vitaliciamente. Mas não é proprietário. A propriedade, embora limitada, porque destacada de algumas de suas características (uso e gozo), pertence a terceiro, a quem chamamos nu-proprietário. Este conserva apenas o direito de disposição sobre o bem.

   Quando recair sobre bens imóveis, não sendo resultante de usucapião, o usufruto constituir-se-á mediante registro no Cartório de Registro de Imóveis. Não se pode transferir o usufruto por alienação; mas o seu exercício pode ceder-se por título gratuito ou oneroso. 

   O usufruto extingue-se, dentre outras causas, cancelando-se o registro no Cartório de Registro de Imóveis, pela renúncia ou morte do usufrutuário. Esta última forma é a que nos interessa.

   É praxe na prática imobiliária, tratando-se de doação de bem imóvel, por ato inter vivos, ou seja, durante a vida, a reserva do usufruto para os doadores. Estes, denominados usufrutuários, enquanto vivos forem, poderão usar e gozar do bem como melhor lhes convier, podendo, inclusive, alugá-lo. Só não podem vender.

   A atenção que se deve ter é na hora da lavratura da respectiva escritura, pois, sem a precisa orientação jurídica, a vontade das partes pode não ser atingida.


Segundo o artigo 1.411 do Código Civil brasileiro, constituído o usufruto em favor de duas ou mais pessoas, extinguir-se-á a parte em relação a cada uma das que falecerem, salvo se, por estipulação expressa, o quinhão desses couber ao sobrevivente. É o chamado usufruto simultâneo. Mas muito cuidado!


Repita-se: para que haja esse direito de acrescer, ou seja, falecendo um dos usufrutuários, por exemplo, para que a parte do usufruto do que morrer acresça à do sobrevivente, isso tem de constar, clara e expressamente, na respectiva escritura, pois, com a morte de cada usufrutuário, a nua-propriedade vai consolidando-se, paulatinamente, na figura do donatário, só atingindo sua plenitude por ocasião da morte do último usufrutuário simultâneo.
Situação diversa ocorre se o usufruto for constituído por testamento, ato mortis causa, a duas ou mais pessoas, conjuntamente.

 Nos termos do artigo 1.946, caput, do Código Civil, legado um só usufruto conjuntamente a duas ou mais pessoas, a parte da que faltar acresce aos co-legatários. Aqui, não há necessidade de se mencionar, expressamente, o direito de acrescer. Ele decorre da lei. Se faltar um dos co-legatários do usufruto, a parte livre acresce aos demais legatários. Não se extingue parcialmente o usufruto nessa modalidade, salvo se o testador foi expresso em negar o direito de acrescer ou não fez disposição conjunta.

  Vê-se, portanto, que as soluções são diferentes para cada situação (usufruto por ato inter vivos ou mortis causa).

   No caso de nossa leitora, que doou, juntamente com sua irmã, a um sobrinho, um imóvel, e ficou reservado o usufruto para elas, vai depender de como foi feito o ato, alertando, desde logo, que se não constou, expressamente, no referido instrumento, o direito de acrescer, a irmã sobrevivente ficará apenas com o usufruto sobre a parte que lhe foi reservada.

 

02.07.2005 

Fonte: Jornal "O Liberal" - Edição de 02.07.2005

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