União estável entre três mulheres |
Zeno Veloso
Jurista
Semana passada, em Belo Horizonte, realizou-se o X
Congresso Nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM),
com a presença de mais de 1.200 participantes. Tantos eram os professores
de Direito Civil no evento, que é mais fácil lembrar os nomes dos que
faltaram do que os de que lá estiveram. O congresso revestiu-se do maior
sucesso. Os mais importantes e graves assuntos foram debatidos. Algumas
vezes, os posicionamentos eram divergentes, numa prova de que a
unanimidade, afinal, é burra, e numa entidade científica, numa agremiação
cultural, cada um pensa como lhe convém e parece certo. O que se chama
“maria vai com as outras” num instituto dessa altura e envergadura não
pode existir. Ali, ninguém é melhor ou mais importante do que o outro,
ninguém é o “dono” das ideias e está obrigado a seguir o
“chefe”. O IBDFAM é um espaço aberto e democrático para a discussão
dos grandes temas jurídicos e sociais de interesse do povo brasileiro. Em
várias rodas, no congresso, comentou-se a escritura pública que foi
lavrada no Rio de Janeiro, no 15º Ofício de Notas, localizado na Barra
da Tijuca, perante a tabeliã Fernanda de Freitas Leitão, e as opiniões
foram muito divergentes. Trata-se
do seguinte: três mulheres se dirigiram ao aludido cartório de notas e
pediram que lhes redigissem uma escritura pública, que foi feita e
assinada, tendo as moças declarado que viviam juntas, de forma pública e
contínua, há bastante tempo, constituindo, segundo o ponto de vista das
mesmas, uma união estável, enfim, uma entidade familiar, com todas as
consequências disto. Ao
receber críticas por ter redigido a escritura, a cartorária alegou que o
fundamento jurídico para a formalização desse tipo de união é o mesmo
que motivou o próprio Supremo Tribunal Federal (STF), em 2011, ao
reconhecer legalmente como entidades familiares os casais do mesmo sexo -
uniões homossexuais ou homoafetivas. Explicou que não há uma lei específica
para esse trio, tampouco existe para o casal homoafetivo, e tudo decorreu
de uma interpretação evolutiva, de uma construção, a partir da decisão
do STF, que excluiu a discriminação, afastou o preconceito, e reconheceu
a união homoafetiva como digna de proteção jurídica, invocando o princípio
da dignidade da pessoas humana, sendo que o conceito de família, hoje, é
plural e aberto. Além disso, concluiu, “em matéria civil, o que não
é proibido ou vedado, está permitido”. O
presidente nacional do IBDFAM, jurista mineiro Rodrigo da Cunha Pereira,
declarou que a relação afetiva entre três pessoas é reconhecida,
quando for caracterizada como núcleo familiar único, argumentando:
“Essas três mulheres constituíram uma família. É diferentes do que
chamamos de família simultânea. Há milhares de pessoas no Brasil que são
casadas, mas têm outras famílias, paralelamente. Esses são núcleos
familiares distintos. Quanto a essas uniões de três ou mais pessoas
vivendo sob o mesmo teto, nós estamos chamando de famílias
poliafetivas”. Rodrigo
entende que todos os direitos concedidos aos casais que estão em união
estável devem ser concedidos ao trio de mulheres. A proteção deve ser a
mesma, embora ainda não exista jurisprudência sobre a matéria que está
começando a aparecer. Isso é novo para o Direito, mas não existe uma
verdade única, concluindo: “A família é um elemento de cultura, sofre
variações”. Por
outro lado, o professor José Simão, da USP, que estava presente no
congresso e também é diretor do IBDFAM, deu uma opinião completamente
diferente, em entrevista ao “Estadão”, garantido que a aludida
escritura pública é nula, não dá garantia jurídica nenhuma ao trio de
mulheres, ponderando que a família no Brasil é monogâmica e isso está
no Código Civil, como no Código Penal, onde está expresso que a bigamia
é crime, e explicando que a escritura só serve para que as três
mulheres repartam o patrimônio entre elas, mas para terceiros, para
exercer direitos de família e sucessões, não há efeito algum,
advertindo: “Não há proibição a uniões entre pessoas do mesmo sexo.
Mas há proibição para mais de uma pessoa, e isso se aplica a qualquer
tipo de família. O Código Civil diz que aqueles que não podem se casar
não podem ter união estável. Então, se o casamento não pode ser
plural, a união também não pode”. Está
aberta a discussão. Vamos esperar e ver como uma situação como essa será
resolvida. Afinal, a união de três mulheres (ou de três homens) pode
ser considerada uma família? P.S.:
Achei que o Círio 2015 foi uma maravilha, apesar da rapidez como ocorreu.
Muita gente acordou, preparou-se para sair, e se espantou ao tomar
conhecimento de que a Santa já havia passado. É muito lamentável ver
que alguns moleques continuam, impunemente, cortando a corda com o
objetivo de guardar o “seu” pedaço ou de vendê-lo em tiras como
lembrança. Há
o risco de se perder uma das mais gratas e importantes tradições ou
imagens do Círio. É preciso tomar providências enérgicas para coibir o
abuso. Por que ninguém é preso? Cortar a corda representa um crime, além de ser um desatino. E sei que vou causar uma polêmica: qual a razão de só ter homem na Guarda de Nossa Senhora? Vamos abrir espaço para as mulheres que, em geral, são tão fortes e eficientes quanto os machos, e, com certeza, mais graciosas e belas. Enfim, mulheres na Guarda da Santa. Já! Já e já! 19.11.2015 |
Fonte: Jornal O Liberal - Edição de 31.10.2015 |
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