Três    mini - assuntos

Nacionalidade - Medidas Provisórias - Doutores

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ZENO  VELOSO
Jurista
 

                           

  Estive dando uma palestra patrocinada pela Cepad, no Hotel Glória, Rio de Janeiro, e fiquei impressionado com a quantidade de pessoas presentes, mais de oitocentas, incluindo uma delegação de estudantes paraenses, que havia fretado um ônibus. Um dos palestrantes foi o professor Vítor Marcelo Aranha Afonso Rodrigues, que tem raízes no Pará e é sobrinho da professora Lucy Aranha, que integrou a equipe de mestres de português que promoveu a revisão gramatical da Constituição do Pará. Vítor fez elogiosas referências ao Otávio Mendonça, catedrático de Direito Internacional Privado da Universidade Federal do Pará, e abordou alguns aspectos desta disciplina, contando o caso, inclusive, do jogador de futebol Ronaldinho, cujo filho nasceu em Milão e, como o pai desejava que o menino fosse italiano, de posse da declaração de parto emitida pela maternidade, dirigiu-se ao registro civil, mas o funcionário milanês informou que não podia lavrar o registro da criança, pois a Itália segue o “jus sanguinis”, só conferindo automaticamente a nacionalidade italiana a quem for filho de italianos; decepcionado, Ronaldinho dirigiu-se, então, ao Consulado do Brasil, em Milão e, ali, foi dito a ele que o Brasil adota o “jus soli”, só recebendo a nacionalidade brasileira, em princípio, quem nasce no território brasileiro, ou seja filho de brasileiro (pai ou mãe), desde que qualquer deles esteja a serviço da República Federativa do Brasil (o que não era o caso do atleta). O menino, no futuro, poderá ter a nacionalidade brasileira, se vier a residir no Brasil e opte, em qualquer tempo, pela nacionalidade brasileira. Mas esta opção faz-se perante a Justiça Federal, e o interessado já deve ter alcançado a maioridade (18 anos). Até lá, portanto, o filho de Ronaldinho, como os filhos de milhares de brasileiros, na mesma situação, são apátridas. Esta matéria é extremamente interessante e dá elementos para um artigo. O professor Vítor teve a gentileza de me dar o material que utilizou na palestra, que repassei ao mestre Otávio, contando-lhe todo o ocorrido. Tomara que Otávio possa escrever alguma coisa sobre o tema, e, nesta expectativa, calo-me como devem calar-se todos diante de “uma voz mais alta que se alevanta”.

Outro assunto que quero abordar, “de leve”, hoje, é o relativo às medidas provisórias, que entulham a pauta do Congresso Nacional, impedindo que este delibere sobre outros temas. Quando se elaborava a Constituição de 1988, nada estava previamente definido ou acertado, mas havia uma só certeza: iria ser sepultado o “entulho autoritário”, que era o decreto-lei. Mas, para substituí-lo, inventaram a medida provisória, e a “emenda saiu pior do que o soneto”. As medidas provisórias têm sido editadas em nosso País da forma mais irresponsável possível, sem base ou critério, num autêntico excesso de poder, ao qual o Congresso Nacional assiste impassível, não obstante algumas críticas de parlamentares - e alguns nada reclamavam e ficavam quietos quando o Presidente da República era do partido deles, e emitia, também, tais medidas, em profusão. As medidas provisórias só podem ser editadas em casos de relevância e urgência, sendo vedada a utilização das mesmas com relação a algumas matérias, como prevê o artigo 62 da Constituição. Uma comissão mista de deputados e senadores examina previamente a medida provisória editada pelo Presidente da República, e sobre ela emite parecer, antes de a mesma ser apreciada pelo plenário da Câmara e do Senado. Se esta comissão mista verificasse melhor se tinham sido cumpridos os requisitos da relevância e urgência, e outras limitações constitucionais, muitas dessas medidas não prosperariam, morreriam no nascedouro. O fato inescondível é que o Chefe do Executivo Federal (e não só o atual, como os que o antecederam) tem exorbitado, indo além do permitido, do razoável, exagerado na utilização das medidas provisórias, que só em caráter excepcional deviam ser editadas; e esta atitude é uma usurpação da função legislativa, própria do Congresso, portanto, representa um desvio, um abuso de poder. Até quando?

Por último, desejo avaliar a decisão que ordenou o síndico de um edifício e os moradores do prédio a darem o tratamento de “doutor” a um morador. Ora, ninguém é “doutor” só pelo fato de ter concluído um curso de nível superior.
Nem os ministros do Supremo Tribunal Federal, só por essa circunstância, adquirem o título de doutores. O formado em Engenharia é engenheiro; em Direito, é bacharel em Direito; em Filosofia, é filósofo, e assim por diante.
Alguns nem são doutos (o que significa outra coisa) e até podem ser chamados de doutores por gentileza dos outros. Mas não têm direito a esse título, nem podem exigir que as pessoas os tratem assim. Por um costume português, que passou para o Brasil, os formados em Medicina são tratados de doutores.
Mas, no geral dos casos, doutor é, somente, o que se formou numa universidade e recebeu a mais alta graduação desta após haver defendido uma tese e ter sido aprovado pela banca examinadora, ou que recebeu, por decisão da congregação, o título honorífico de doutor “honoris causa”. O resto é como aquele produto, o “denorex”: pode parecer, e ser chamado assim, mas doutor, oficialmente, não é.
 

             

18.09.2006 

Fonte: Publicado no "O Liberal" edição de 13.04.2004

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