QUERO FAZER TESTAMENTO |
ZENO
VELOSO
Jurista
Recebi uma interessante consulta de Apolinário Pereira, que é viúvo e tem três filhos, todos adultos. Dois desses filhos são muito amados pelo pai, trabalham com ele, estão sempre ao seu lado, demonstrando afeto, carinho, enquanto que o terceiro filho, além de jamais ter querido estudar ou trabalhar, já tendo bem mais de 30 anos, vive, até hoje por conta do pai, e todo o dinheiro que bota no bolso desaparece na mesma hora. Para sintetizar, este filho é considerado irrecuperável, não tem a mínima responsabilidade. Bebe, joga e é dado a grandes farras com mulheres. Apolinário já foi informado de que, salvo deserdação - e não é o caso -, não pode fazer um testamento beneficiando apenas os dois filhos mais queridos e merecedores, pois o terceiro filho é herdeiro necessário ou obrigatório, tendo direito à chamada legítima. O máximo que o pai pode fazer é deixar a metade disponível de seus bens para os dois mencionados filhos e a outra metade, então, caberá aos três filhos, em partes iguais. O consulente decidiu fazer um testamento mas está muito preocupado (mais que isso, verdadeiramente com muito medo) com a reação do filho que será menos beneficiado que os outros dois, filho esse, além do que já foi dito acima, que é pessoa extremamente violenta. A preocupação de Apolinário refere-se à forma de testamento que ele utilizará, com maior segurança, dentre as três formas ordinárias previstas no Código Civil: o testamento público, o cerrado e o particular. Quanto ao testamento público, Apolinário sabe que, até pela participação e orientação de um tabelião, é a forma revestida de maior segurança; porém, disseram-lhe que apresenta um defeito gravíssimo, que é a possibilidade de qualquer pessoa obter uma certidão do testamento - sob o argumento de que se trata de um instrumento “público” -, certidão essa que vai tornar expostas e conhecidas as disposições do testador, mesmo ele ainda estando vivo. Diante dessa ponderação, expliquei a Apolinário, que a minha opinião, já manifestada em livros e artigos doutrinários é de que o tabelião não pode expedir uma certidão do testamento público enquanto o testador continua vivo, a não ser que o próprio testador solicite. Há, entretanto, parecer contrário, de que o tabelião é obrigado a dar a certidão do testamento público a quem requerer, o que acaba, no caso concreto, justificando o temor de nosso consulente. Com relação ao testamento cerrado, regulado no Código Civil no artigo 1.868 e seguintes, Apolinário foi informado de que fica com uma espécie de envelope lacrado e cerrado, e dentro do mesmo o testamento, forma que não o agrada. Sendo assim, sobra o testamento particular, que está regulado no Código Civil, cujas regras transcrevo: “Artigo 1.876. O testamento particular pode ser escrito de próprio punho ou mediante processo mecânico; parágrafo 1º - Se escrito de próprio punho, são requisitos essenciais à sua validade seja lido e assinado por quem o escreveu, na presença de pelo menos três testemunhas, que o devem subscrever; parágrafo 2º - Se elaborado por processo mecânico, não pode conter rasuras ou espaços em branco, devendo ser assinado pelo testador, depois de o ter lido na presença de pelo menos três testemunhas, que o subscreverão”. Como se verifica, é uma forma singela, barata, fácil de fazer, embora eu aconselhe o testador que não é bacharel em direito a ser assessorado por um advogado, ou por um tabelião. No caso de Apolinário, ele pode até fazer o seu testamento particular em três vias, cumprindo em cada uma as respectivas formalidades legais, ficando com uma delas e dando as outras vias aos dois filhos em quem confia. Como nada é perfeito, há um aspecto negativo, e até preocupante no testamento particular: é a necessidade da confirmação testemunhal, que ocorrerá, necessariamente, conforme previsto nos dispositivos seguintes do Código Civil: “Artigo 1.877 - Morto o testador, publicar-se-á em juízo o testamento, com citação dos herdeiros legítimos”; “Artigo 1.878 - Se as testemunhas forem contestes sobre o fato da disposição, ou, ao menos, sobre a sua leitura perante elas, e se reconhecerem as próprias assinaturas, assim como a do testador, o testamento será confirmado. Parágrafo único - Se faltarem testemunhas, por morte ou ausência, e se pelo menos uma delas o reconhecer, o testamento poderá ser confirmado, se, a critério do juiz, houver prova suficiente de sua veracidade”. Se o testamento particular não puder ser confirmado depois da morte do testador, se faltarem todas as testemunhas, fica sem nenhum efeito, e a herança de quem tinha outorgado um ato de disposição de última vontade vai seguir as regras da sucessão legítima. E aí está a grande inconveniência do testamento particular. 12.04.2013 |
Fonte: Publicado no jornal "O Liberal" - 26.05.2012 |
LEI No 10.406, DE 10 DE JANEIRO DE 2002
Institui o Código Civil
Seção
III
Do Testamento Cerrado
Art. 1.868. O testamento escrito pelo testador, ou por outra pessoa, a seu rogo, e por aquele assinado, será válido se aprovado pelo tabelião ou seu substituto legal, observadas as seguintes formalidades:
I - que o testador o entregue ao tabelião em presença de duas testemunhas;
II - que o testador declare que aquele é o seu testamento e quer que seja aprovado;
III - que o tabelião lavre, desde logo, o auto de aprovação, na presença de duas testemunhas, e o leia, em seguida, ao testador e testemunhas;
IV - que o auto de aprovação seja assinado pelo tabelião, pelas testemunhas e pelo testador.
Parágrafo único. O testamento cerrado pode ser escrito mecanicamente, desde que seu subscritor numere e autentique, com a sua assinatura, todas as paginas.
Art. 1.869. O tabelião deve começar o auto de aprovação imediatamente depois da última palavra do testador, declarando, sob sua fé, que o testador lhe entregou para ser aprovado na presença das testemunhas; passando a cerrar e coser o instrumento aprovado.
Parágrafo único. Se não houver espaço na última folha do testamento, para início da aprovação, o tabelião aporá nele o seu sinal público, mencionando a circunstância no auto.
Art. 1.870. Se o tabelião tiver escrito o testamento a rogo do testador, poderá, não obstante, aprová-lo.
Art. 1.871. O testamento pode ser escrito em língua nacional ou estrangeira, pelo próprio testador, ou por outrem, a seu rogo.
Art. 1.872. Não pode dispor de seus bens em testamento cerrado quem não saiba ou não possa ler.
Art. 1.873. Pode fazer testamento cerrado o surdo-mudo, contanto que o escreva todo, e o assine de sua mão, e que, ao entregá-lo ao oficial público, ante as duas testemunhas, escreva, na face externa do papel ou do envoltório, que aquele é o seu testamento, cuja aprovação lhe pede.
Art. 1.874. Depois de aprovado e cerrado, será o testamento entregue ao testador, e o tabelião lançará, no seu livro, nota do lugar, dia, mês e ano em que o testamento foi aprovado e entregue.
Art. 1.875. Falecido o testador, o testamento será apresentado ao juiz, que o abrirá e o fará registrar, ordenando seja cumprido, se não achar vício externo que o torne eivado de nulidade ou suspeito de falsidade.
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