O testamento de Caxias 

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Zeno Veloso 
Jurista

Há tempos, dediquei um artigo para falar do testamento de Pontes de Miranda, um dos maiores juristas do mundo, figura solar do direito brasileiro.

Quem está fazendo o inventário deste egrégio jurisconsulto é meu prezado amigo, o professor carioca Mario Roberto Carvalho de Faria, que, dentre outros méritos, é o atualizador do livro “Sucessões”, um clássico do saudoso mestre baiano Orlando Gomes. E foi Mario Roberto que me enviou uma cópia do testamento de ninguém menos do que o Duque de Caxias, e vou falar deste assunto, hoje.

O testamento começa com a frase que era comum naquele tempo: 

“Em nome de Deus, Amém”. 

Em seguida, diz: 

“Eu, Luís Alves de Lima, Duque de Caxias, achando-me com saúde e meu perfeito juízo, ordeno o meu testamento da forma seguinte”. 

Então, afirma que é católico romano, “tenho nesta fé vivido e pretendo morrer”. Informa que é natural do Rio de Janeiro, batizado na freguesia de Inhamerim, sendo filho legítimo (usava-se esta qualificação na época) do marechal Francisco de Lima e Silva e dona Cândida Bello de Lima. “Fui casado à face da Igreja com a virtuosa dona Anna Luiza Carneiro Viana de Lima, Duquesa de Caxias, já falecida, de cujo matrimônio restam dois filhos, que são Luiza e Anna, as quais se acham casadas, e são as minhas legítimas herdeiras”.

Recomendo a meus testamenteiros, diz o Duque de Caxias no seu testamento, “quero que meu enterro seja feito sem pompa alguma, e só como irmão da Cruz dos Militares, no grau que ali tenho, dispensando o estado da Casa Imperial, que se costuma mandar aos que exercem o cargo que tenho. Não desejo mesmo que se façam convites pro meu enterro, porque os meus amigos que me quiserem fazer este favor não precisam dessa formalidade, e muito menos consintam os meus filhos que eu seja embalsamado”.

Caxias dispensou, ainda, as honras fúnebres que a ele caberiam como marechal do Exército, mas pediu que lhe mandassem seis soldados, escolhidos dos mais antigos e de melhor conduta, dos corpos da Guarnição, “pra pegar as argolas do meu caixão, a cada um dos quais o meu testamenteiro, no fim do enterro, dará 30$000 de gratificação”.

Nas disposições patrimoniais propriamente ditas, o Duque deixou a seu criado, Luís Alves, quatrocentos mil réis e toda a roupa de seu uso.

Ao amigo e companheiro de trabalho João de Souza da Fonseca Costa, “como sinal de lembrança”, legou todas as suas armas, “inclusive a espada com que comandei, seis vezes, em campanha, e o cavalo de minha montaria, arreado com os arreios melhores que tiver na ocasião da minha morte”.

À sua irmã, a Baronesa de Suruhi, coube as condecorações de brilhantes da ordem de Pedro I, e a seu irmão, o Visconde de Tocantins, legou seu candeeiro de prata, “que herdei do meu pai”. O capitão Salustiano de Barros Albuquerque, leal amanuense de Caxias, ficou com o relógio de ouro com a competente corrente. Para sua afilhada, Anna Eulália de Noronha, casada com o capitão Noronha, legou dois contos de réis. Advertiu que essas disposições deveriam sair de sua terça, que, naquela época, era a parte que o testador podia dispor livremente (atualmente, quem tem herdeiros necessários, pode dispor da metade de seus bens).

“O mais que possuo”, finalizou o grande herói brasileiro, “será repartido com as minhas duas filhas, Anna e Luiza”.

Este testamento, notavelmente singelo, foi feito no Rio de Janeiro, em 23 de abril de 1874, com a assinatura: “Luís Alves de Lima - Duque de Caxias”. Curiosamente, não assinou o nome por inteiro, que era Luís Alves de Lima e Silva.

O patrono do Exército Brasileiro faleceu em 7 de março de 1880. Foi uma das mais importantes figuras da História do Brasil, um dos mais poderosos homens do Império. E seu testamento é de alguém de poucas posses. 

Para os honestos, a pobreza é um sinal de dignidade, de virtude.

09.06.2010 

Fonte: Publicado no jornal "O Liberal" - 02.05.2010

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