T  E  S  T  A  M  E  N  T  O 
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ZENO  VELOSO
Jurista
 

                           

  Tenho recebido vários pedidos para remeter cópias de um artigo, publicado no ano passado, sobre testamento. Impressionado com o interesse que o tema suscita, vou reproduzi-lo.

  Testamento é um ato de última vontade, pelo qual o testador faz disposições a respeito de seu patrimônio, para depois de sua morte. Além de ordenar a respeito dos bens – móveis e imóveis –, pode o testamento conter, também, disposições não patrimoniais, como o reconhecimento de filiação, uma confissão, a nomeação de tutor para filhos menores, por exemplo. Entretanto, na maioria dos casos, o testamento contém determinações de ordem patrimonial.

  Embora válido desde logo, se foi feito conforme os requisitos legais, o testamento só vai ter eficácia com a morte do testador, e jamais terá efeito se for revogado, o que o testador pode fazer a qualquer tempo.

  Trata-se de um ato formal, por excelência. O Código Civil admite três formas ordinárias de testamento: o púbico, o cerrado ou secreto e o particular, estabelecendo os requisitos e solenidades de cada uma delas. O descumprimento de qualquer requisito legal determina a nulidade do ato.

  Nosso direito consagra o princípio da liberdade de testar, que, todavia, não é absoluto. Se o testador tem herdeiros necessários (que são os descendentes, os ascendentes e o cônjuge), só poderá dispor sobre a metade de seus bens, pois a outra metade representa a legítima desses herdeiros privilegiados, e a eles pertence, de pleno direito. Se, porém, o testador não tem cônjuge, nem descendentes, nem ascendentes, está autorizado a dispor da totalidade de seus bens, deixando-os para quem quiser, ainda que existam parentes colaterais (irmãos, sobrinhos, tios, primos), que são herdeiros legítimos, mas não necessários ou reservatários, e podem ser afastados da sucessão pela só vontade do autor da herança.

  Alguns autores defendem a tese de que a companheira e o companheiro são herdeiros necessários, uma vez que estão equiparados aos cônjuges. Não é a minha opinião. Herdeiros necessários, a meu ver, são, apenas, os que a lei assim indica e considera. E o artigo 1.845 do Código Civil afirma que tais herdeiros são os descendentes, os ascendentes e o cônjuge. Diante de preceito tão claro e inequívoco, incluir, aí, os companheiros é ultrapassar os limites da interpretação e usurpar a função do legislador.

  No Brasil, raramente as pessoas testam, e quase todas as sucessões regem-se pelo que vem estatuído na lei (sucessão legítima). Entre outras razões, a desinformação e a superstição militam para que o testamento seja figura estranha aos nossos costumes. Alega-se, ainda, que o legislador regulou tão bem a sucessão legítima, indicando como herdeiros os mais próximos do falecido, que não há necessidade de se fazer, na maioria dos casos, um ato de disposição de última vontade. Pode até ser! Mas devia ser incentivada a faculdade de testar, a outorga de um testamento, com o que seriam evitados muitos problemas e questões. Prevenir é sempre melhor do que remediar.

  Certa vez, um amigo me disse que o tio dele havia distribuído todos os bens em testamento, pois era solteiro, não tinha filhos, e seus pais já haviam falecido.

  O tio não possuía herdeiros necessários e podia dispor de todo o seu patrimônio, o que fez. Coube a esse amigo dois apartamentos, e ele perguntou se podia levar o testamento para o cartório de registro de imóveis, transferindo os dois apartamentos para o seu nome. Expliquei-lhe que o testamento contém a última vontade do testador, que ordena a respeito do destino do seu patrimônio. Trata-se, todavia, de uma indicação, que precisa ser fielmente cumprida. Mas o testamento, por si só, não transfere a propriedade das coisas.

  Diz o artigo 1.784 do Código Civil que aberta a sucessão (com a morte do titular do patrimônio), a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros. Mas é sempre necessário promover o inventário e a partilha dos bens. Ou seja, o fato de existir um testamento não dispensa o processo judicial em que se apresenta o rol dos bens deixados pelo falecido, pagam-se as dívidas que ele eventualmente deixou, o imposto de transmissão por causa da morte e faz-se a divisão material dos bens entre os herdeiros que, até esse momento, eram condôminos. Se houver somente um herdeiro, não se fará partilha, é óbvio, e o que ocorre é a adjudicação.

  Tive a honra de atualizar o livro de Direito das Sucessões do professor Sílvio Rodrigues, recentemente falecido, em São Paulo. E o saudoso mestre e querido amigo sempre advertia que esta matéria é uma das mais belas e instigantes do Direito Civil.
             

15.10.2006 

Fonte: Publicado no "O Liberal" edição de 16.04.2005

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