Tenho
recebido vários pedidos para remeter cópias de um artigo, publicado no
ano passado, sobre testamento. Impressionado com o interesse que o tema
suscita, vou reproduzi-lo.
Testamento é um ato de última vontade, pelo qual o testador faz
disposições a respeito de seu patrimônio, para depois de sua morte. Além
de ordenar a respeito dos bens – móveis e imóveis –, pode o
testamento conter, também, disposições não patrimoniais, como o
reconhecimento de filiação, uma confissão, a nomeação de tutor para
filhos menores, por exemplo. Entretanto, na maioria dos casos, o
testamento contém determinações de ordem patrimonial.
Embora válido desde logo, se foi feito conforme os requisitos legais,
o testamento só vai ter eficácia com a morte do testador, e jamais terá
efeito se for revogado, o que o testador pode fazer a qualquer tempo.
Trata-se de um ato formal, por excelência. O Código Civil admite
três formas ordinárias de testamento: o púbico, o cerrado ou secreto e
o particular, estabelecendo os requisitos e solenidades de cada uma delas.
O descumprimento de qualquer requisito legal determina a nulidade do ato.
Nosso direito consagra o princípio da liberdade de testar, que, todavia,
não é absoluto. Se o testador tem herdeiros necessários (que são os descendentes,
os ascendentes e o cônjuge), só poderá dispor sobre a metade de seus bens,
pois a outra metade representa a legítima desses herdeiros privilegiados,
e a eles pertence, de pleno direito. Se, porém, o testador não tem cônjuge,
nem descendentes, nem ascendentes, está autorizado a dispor da totalidade
de seus bens, deixando-os para quem quiser, ainda que existam parentes colaterais
(irmãos, sobrinhos, tios, primos), que são herdeiros legítimos, mas não
necessários ou reservatários, e podem ser afastados da sucessão pela só
vontade do autor da herança.
Alguns autores defendem a tese de que a companheira e o companheiro
são herdeiros necessários, uma vez que estão equiparados aos cônjuges.
Não é a minha opinião. Herdeiros necessários, a meu ver, são, apenas,
os que a lei assim indica e considera. E o artigo 1.845 do Código Civil afirma
que tais herdeiros são os descendentes, os ascendentes e o cônjuge. Diante
de preceito tão claro e inequívoco, incluir, aí, os companheiros é ultrapassar
os limites da interpretação e usurpar a função do legislador.
No Brasil, raramente as pessoas testam, e quase todas as sucessões
regem-se pelo que vem estatuído na lei (sucessão legítima). Entre outras
razões, a desinformação e a superstição militam para que o testamento
seja figura estranha aos nossos costumes. Alega-se, ainda, que o legislador
regulou tão bem a sucessão legítima, indicando como herdeiros os mais próximos
do falecido, que não há necessidade de se fazer, na maioria dos casos, um
ato de disposição de última vontade. Pode até ser! Mas devia ser incentivada
a faculdade de testar, a outorga de um testamento, com o que seriam evitados
muitos problemas e questões. Prevenir é sempre melhor do que remediar.
Certa vez, um amigo me disse que o tio dele havia distribuído todos
os bens em testamento, pois era solteiro, não tinha filhos, e seus pais já
haviam falecido.
O tio não possuía herdeiros necessários e podia dispor de todo o seu patrimônio,
o que fez. Coube a esse amigo dois apartamentos, e ele perguntou se podia
levar o testamento para o cartório de registro de imóveis, transferindo
os dois apartamentos para o seu nome. Expliquei-lhe que o testamento contém
a última vontade do testador, que ordena a respeito do destino do seu patrimônio.
Trata-se, todavia, de uma indicação, que precisa ser fielmente cumprida.
Mas o testamento, por si só, não transfere a propriedade das coisas.
Diz o artigo 1.784 do Código Civil que aberta a sucessão (com a morte
do titular do patrimônio), a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros.
Mas é sempre necessário promover o inventário e a partilha dos bens. Ou
seja, o fato de existir um testamento não dispensa o processo judicial em
que se apresenta o rol dos bens deixados pelo falecido, pagam-se as dívidas
que ele eventualmente deixou, o imposto de transmissão por causa da morte
e faz-se a divisão material dos bens entre os herdeiros que, até esse momento,
eram condôminos. Se houver somente um herdeiro, não se fará partilha,
é óbvio, e o que ocorre é a adjudicação.
Tive a honra de atualizar o livro de Direito das Sucessões do professor
Sílvio Rodrigues, recentemente falecido, em São Paulo. E o saudoso mestre
e querido amigo sempre advertia que esta matéria é uma das mais belas e
instigantes do Direito Civil.
15.10.2006 |