sucessão entre companheiros - inconstitucionalidade

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ZENO VELOSO
Jurista 

Já escrevi bastante a respeito do direito sucessório entre os companheiros.

Nesta coluna, já dediquei vários artigos ao tema. E mencionei algumas páginas, em alguns livros, dois deles, principalmente: Código Civil Comentado, obra coletiva, Editora Saraiva, São Paulo, cuja 10ª edição está saindo, e Direito Hereditário do Cônjuge e do Companheiro, também da Saraiva.

O art. 1.790 do Código Civil, que regula a sucessão entre companheiros, inicia estabelecendo que a companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro “quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável”.

Isto significa que essa sucessão é limitada, diminuída, pois só abrange os ditos bens, dos quais, em regra, dado o regime da comunhão parcial de bens, o companheiro sobrevivente já é meeiro.

 Se não houver bens daquela espécie, como os adquiridos antes de se ter iniciado a convivência, ou terem sido os bens adquiridos gratuitamente (doação, herança), o companheiro sobrevivente não é herdeiro.

Conheço um caso de senhora que conviveu durante mais de dez anos, sob o mesmo teto, com um rico empresário. Ele morreu e deixou mais de dez imóveis, em Manaus. Todos, entretanto, adquiridos antes da união estável que veio a constituir. A companheira não foi herdeira de nada e coisa alguma. Tudo ficou para um longínquo primo do defunto. Isso é um absurdo, uma absurdez inominável!


Nos incisos I e II, o art. 1.790 prevê a existência de filhos.

Se o companheiro sobrevivente concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho.

O companheiro sobrevivente vai herdar como se fosse mais um filho.

Mas atenção: concorre somente quanto aos bens adquiridos onerosamente durante a união estável.

Se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles. E apenas quanto aos bens adquiridos onerosamente durante a convivência, aponte-se, novamente. Já o inciso III do art. 1.790 prevê a concorrência do companheiro sobrevivente com ascendentes do falecido ou com parentes colaterais dele, até o quarto grau, e resolve que o companheiro terá direito a um terço da herança. Ou seja, esses parentes vão herdar duas terças partes, e o companheiro sobrevivente apenas uma terça parte.

Alguém, em sã consciência, pode concordar com isso?

Só no caso de o falecido não deixar nenhum herdeiro sucessível - o que é raro, raríssimo -, é que o companheiro sobrevivente vai ter direito à totalidade da herança.

Esse art. 1.790 do Código Civil representa uma coisa horrorosa.

Para dizer o mínimo, é um desrespeito às famílias constituídas pela união estável, tratando-as de maneira discriminatória, ferindo o princípio da igualdade entre as famílias e o da dignidade da pessoa humana.

Antes mesmo de o Código Civil entrar em vigor, bradei aos quatro ventos, em palestras, simpósios, debates, em várias partes do Brasil, e em muitos escritos: esse art. 1.790 é inconstitucional.

O Supremo Tribunal Federal começou, na quarta-feira passada, o julgamento a respeito da validade desse art. 1.790. E a votação já está em sete a zero, e foi surpresa porque o ministro Dias Toffoli pediu vistas do processo. Mas só faltam votar quatro ministros. Parece que o resultado está fixado e é irreversível. Se isto se confirmar, a sucessão dos companheiros vai ser resolvida debaixo das mesmas regras que se aplicam à sucessão dos cônjuges.

Não assisti ao histórico julgamento, mas recebi muitos telefonemas de amigos e professores. Comentaram que alguns ministros citaram minha opinião a respeito do tema, tantas vezes externada. Isso muito me honra, obviamente.

Mas o principal e importante é que a sociedade brasileira está prestes a se ver livre do terrível e injusto art. 1.790 do Código Civil.

 

Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes:

I - se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho;

II - se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles;

III - se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança;

IV - não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.

 

 

23.09.2016 

Fonte: Publicado no jornal "O Liberal" -  03.09.2016 - - e-mail: zenoveloso@hotmail.com

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