Rompimento de noivado e indenização

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ZENO VELOSO
jURISTA

        Na semana passada, o juiz da 2ª Vara Cível de Presidente Prudente, Fernando Florido Marcondes, prolatou uma sentença muito interessante, que merece ser divulgada, pois o fato objeto do julgamento vem-se repetindo e deve ser melhor estudado. O juiz condenou um noivo a pagar R$ 13 mil à noiva, a título de indenização por danos morais, pois, sem motivo justo, alegou que o compromisso estava terminado, que as alianças deviam ser retiradas e que não queria mais casar-se.

Entendeu o juiz que o rapaz cometeu um ato ilícito, ao romper sem justificativa o noivado, às vésperas do casamento, deixando a noiva profundamente deprimida e humilhada. O relacionamento amoroso já durava quatro anos, apresentando-se sólido e futuroso. Há meses, o noivo havia comprado a casa em que os dois iriam morar. A noiva já tinha preparado o enxoval e adquirido utensílios domésticos para o futuro lar. De repente, tudo desmoronou.

Na sentença, o juiz Marcondes afirma que o namoro prolongado, o noivado oficial, a aquisição de alianças e a obtenção do imóvel, por si, levam à dedução de que se tratava de um relacionamento sério, e que o rompimento do noivado, nesse caso, enseja a indenização por dano moral, lembrando que ninguém pode ser obrigado a fazer o que não quer, mas o descompromisso ético e moral deve ser combatido, ressaltando: “A par da modernidade do mundo atual, o casamento é ainda uma instituição querida e desejada pela maioria das pessoas, principalmente pelo sexo feminino”. Em sua defesa, o noivo alegou que a moça era exageradamente ciumenta, e prometeu recorrer da sentença. Aliás, já está casado com outra mulher.

No Direito Romano, eram muito utilizados os esponsais (“sponsalia”), uma convenção verbal e solene pela qual duas pessoas, de sexo diferente, ou seus pais (“pater familias”), por elas, comprometiam-se a contrair, futuramente, casamento. Tudo isso em meio a uma grande festa. Os prometidos, comprometidos, noivos (“sponsi”), sob alguns aspectos, eram equiparados aos cônjuges. Se o que celebrou esponsais se comprometesse em outro noivado, ou casasse com outra pessoa sem ter rompido o compromisso anterior, era considerado infame. Apesar da solenidade, importância e efeitos dos esponsais, não se podia obrigar o noivo ou a noiva arrependida a casar-se. As conseqüências pelo rompimento imotivado da promessa eram de ordem patrimonial.

No Direito brasileiro pré-codificado, a lei de 6 de outubro de 1784 previa o contrato de esponsais, que tinha de ser celebrado por escritura pública, e o que não cumprisse a promessa de casamento respondia por perdas e danos. Na Consolidação das Leis Civis, de 1858, Teixeira de Freitas regulou os esponsais, nos artigos 76 a 94. Nem o Código Civil de 1916, nem o novo Código Civil cuidam dos esponsais ou mencionam, destacadamente, a responsabilidade civil pelo romprimento do noivado. Isto não quer dizer, absolutamente, que a quebra imotivada do compromisso de casar não gera qualquer efeito negativo para o que desertou da promessa.

Assim como já se estabelecia nos tempos antigos, o noivo não pode ser constrangido, obviamente, ao cumprimento da promessa. Não pode ser levado pela polícia ao altar ou ao fórum, para a celebração de seu casamento. O consentimento para o matrimônio deve ser autônomo, livre de qualquer coação, intimidação ou pressão. Até no momento da celebração do matrimônio, o nubente pode desdizer-se: falar “não” em lugar de “sim”.

Mas a outra parte pode sofrer prejuízos materiais e morais com a quebra do compromisso. Inebriadas pela paixão, há casos de moças que obedecem aos apelos (ou às ordens) dos noivos para deixar a faculdade que cursam, para abandonar o lugar em que trabalham, para não aceitar uma atividade remunerada que lhes é oferecida. Os argumentos dos rapazes são variados. O mais comum é que eles possuem bens ou recursos para manter o futuro domicílio, e que “a esposa que eles escolheram” (parece que estão fazendo um favor!) precisa ficar em casa, ter e criar filhos, comandar as empregadas, dedicar-se, enfim, às lides domésticas, como “rainha do lar”. Não raramente, essa “rainha” é uma escrava do marido e dos filhos...

Como diz o desembargador e professor Carlos Roberto Gonçalves (“Responsabilidade Civil”, editora Saraiva, 2003, p. 62), o fato de nosso legislador não ter disciplinado os esponsais como instituto autônomo demonstra, conforme assinala a doutrina, que preferiu deixar a responsabilidade civil pelo rompimento da promessa sujeita à regra geral do ato ilícito. Nosso Código Civil vigente, artigo 186, prevê: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. E o artigo 927 complementa: “Aquele que, por ato ilícito (artigos 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”.

Em suma, a jurisprudência é mansa e pacífica, ao admitir que o rompimento injustificado do noivado configura ato ilícito, ensejando o direito do ofendido a pedir reparação de danos, tanto de danos materiais, como morais, e até de ambos, cumulativamente. Muitos julgados estão indicados no livro de Carlos Roberto Gonçalves, acima citado, como no “Curso de Direito Civil” do saudoso professor Washington de Barros Monteiro, volume 2, excelentemente atualizado pela bela e culta mestra Regina Beatriz Tavares da Silva.

Note-se, todavia: o que abre margem para uma indenização é a quebra imotivada da promessa de casar, o rompimento injustificado do noivado. Não é o caso, com certeza, de um jovem arquiteto, que havia sido contratado para redesenhar os cômodos de um motel e vê entrar um belo carro importado, que estacionou num dos quartos. Ao lado do motorista, bem agarradinha nele, a própria noiva do arquiteto. O rapaz acabou o noivado, imediatamente - e com razão; a moça, arrependida, queria que o compromisso fosse reatado e garantiu ao arquiteto que só “estava treinando”. Pode?

13.09.2005 

Fonte: Jornal "O Liberal" - Edição de 05.06.2004

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