Como mudar o regime de bens? |
Zeno Veloso
Jurista
Logo
que foi aprovado o novo Código Civil em 2002, que levou um ano para começar
a vigorar, e a esse período se chama vacatio legis, fui consultado por
uma leitora, que se assinou 'Hebréia', e ela queria saber se o regime de
bens do casamento já poderia ser alterado. Abordei o tema nesta coluna,
por volta do mês de março de 2002. Mas
o assunto é de magna importância, não saiu de pauta, continua sendo
objeto de estudos e debates. Nesta semana, troquei idéias com o advogado
Raimundo Barbosa Costa, um caríssimo amigo de muitos anos. Costinha, como
é chamado, goza do privilégio de ter trabalhado, portanto, de ter estado
muito próximo do mestre Orlando Bitar. E o caso a respeito do qual
falamos é o seguinte: o casamento de Raimundo Nonato e Ana Lúcia dura
mais de dez anos e rege-se pelo regime da comunhão parcial de bens. Três
imóveis foram adquiridos durante a convivência matrimonial, o que
significa que são bens comuns. O casal pretende, agora, mudar o regime de
bens, para o da separação total. Garantiram a eles que isso era impossível,
pois a alteração do regime só está permitida para os que se casaram
depois da entrada em vigor do novo Código Civil, o que ocorreu em 11 de
janeiro de 2003. Conforme esse entendimento, pessoas cujo casamento
ocorreu sob a égide do Código Civil anterior, de 1916, estão proibidas
de modificar o regime patrimonial do matrimônio, que foi outrora fixado. Realmente,
durante muitos anos, seguindo uma tradição dos países de regime jurídico
latino, prevaleceu no Brasil o princípio da irrevogabilidade ou da
imutabilidade do regime de bens, conforme o art. 230 do Código velho, que
dizia: 'O regime de bens entre cônjuges começa a vigorar desde a data do
casamento, e é irrevogável'. Entretanto, por toda parte, foi sendo
proclamada a regra contrária, adotada no sistema germânico - Alemanha,
Suíça -, admitindo-se a alteração do regime na França, Itália, Bélgica,
Espanha. Em Portugal e na Argentina, todavia, persiste o princípio da
imutabilidade. Nosso
Código Civil em vigor deu uma formidável guinada e regulou a matéria de
forma completamente diversa da tradicional, dispondo no art. 1.639, caput:
'É lícito aos nubentes, antes de celebrado o casamento, estipular,
quanto aos seus bens, o que lhes aprouver'. O parágrafo 1º edita: 'O
regime de bens entre os cônjuges começa a vigorar desde a data do
casamento'. E o § 2º, seguindo a antiga lição de Orlando Gomes,
introduz em nosso direito a regra da mutabilidade: 'É admissível alteração
do regime de bens, mediante autorização judicial em pedido motivado de
ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e
ressalvados os direitos de terceiros'. Foi
abandonado o vetusto fundamento da inalterabilidade, da imodificabilidade,
da irrevogabilidade, e estabelecido, quanto ao regime de bens no
casamento, o princípio da mutabilidade motivada e por decisão judicial.
É preciso ler com cuidado e bem interpretar o art. 1.639, § 2º, do Código
Civil, observando-se, desde logo, que não foi consagrada uma
variabilidade incondicionada, a possibilidade de modificação livre e
irrestringida, mas a mutabilidade regrada, subordinada a requisitos
concorrentes e cumulativos. Em síntese: é preciso haver acordo entre os
cônjuges, o pedido deve ser formulado por ambos; estabelece-se um
procedimento de jurisdição voluntária, com a participação do Ministério
Público; é necessário que se indique o motivo relevante para a modificação;
é essencial que sejam resguardados os interesses de terceiros;
finalmente, tudo depende de decisão judicial. Na
França, a possibilidade de mudança do regime de bens foi introduzida
pela Lei de 13 de julho de 1965, prevendo o Código Napoleão, art. 1.397,
que a modificação só pode ser feita após dois anos da celebração do
casamento. No Brasil, não há esse prazo, e a alteração do regime de
bens pode ser realizada a qualquer tempo, observado o art. 1.639, § 2º,
do Código Civil. A
doutrina e jurisprudência têm assentado que é possível a modificação
do regime de bens, mesmo quanto aos casamentos celebrados sob a égide do
Código Civil de 1916, e assim já decidiu a 4ª Turma do STJ, analisando,
conjuntamente, os arts. 1.639, § 2º, e 2.039 do Código Civil. Outra questão que me foi apresentada, porém, só vou abordar em próximo artigo, é a seguinte: a mulher que está separada judicialmente, e o ex-marido falece, fica viúva? E qual o estado civil da mulher divorciada, se morrer o ex-marido? Torna-se viúva? 18.10.2008 |
Fonte: Jornal O Liberal - Edição de 02.08.2008 |
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