Amor
crepuscular e regime de bens |
ZENO
VELOSO
Jurista
Jovem
ainda, com 48 anos de idade, Domingos Sávio ficou viúvo, com duas filhas
adolescentes. Fez o inventário dos bens da falecida, promoveu a partilha
e, imerso em profunda tristeza, com saudade imensa da mulher, com quem
havia sido muito feliz, resolver reagir, lutar, vencer a adversidade,
buscar a felicidade. Um ano depois, conheceu Marilena, mulher no esplendor
físico e espiritual, com 28 anos de idade. Depois de seis meses de
namoro, passaram a viver juntos. Domingos confessou à Marilena que havia
jurado às filhas, na ocasião do funeral da mãe delas, que jamais
casaria de novo. Mas, como se tratava de união estável, entendia que
estava liberto da promessa. Assim, juntaram as coisas, dormiram debaixo do
mesmo edredom e tudo foi se arrumando. Decorreram
alguns anos. O casal não teve filhos. O pai teve uma longa conversa com
as filhas e estas disseram-lhe que estava, por elas, livre do compromisso,
e autorizado a casar-se com Marilena, que, diga-se de passagem, tinha sido
e tem sido uma companheira fiel e dedicada. Normalmente, as filhas do
primeiro leito não são tão compreensivas, gentis. Dirigiu-se
Domingos ao cartório de casamento e ali foi informado pelo diligente
oficial que o processo de habilitação para o matrimônio ia ser
providenciado, afixando-se um edital, durante 15 dias; depois, seria a
habilitação levada para parecer do Ministério Público e ao juiz, para
ser homologada, tudo na forma dos arts.1.525 a 1.532 do Código Civil. Só
havia um problema, disse o oficial ao já assustado noivo: 'o senhor acaba
de completar 60 anos, embora a nubente tenha cerca de 40 anos,e, por força
do artigo art. 1.641, inciso II, do Código Civil seu casamento pode ser
realizado, mas fica submetido a um regime de bens cogente, o da separação'.
Realmente, esse artigo do Código Civil afirma: 'É obrigatório o regime
da separação de bens do casamento da pessoa maior de 60 (sessenta)
anos'. Assim sendo, nossos personagens não podiam casar, como pretendiam,
pelo regime da comunhão parcial. Justificando
regra semelhante que existia no art. 258, parágrafo único, inciso II, do
Código Civil de 1916, Clóvis Beviláqua afirma que essas pessoas já
passaram da idade em que o casamento se realiza por impulso afetivo.
Receando que interesses subalternos ou especulações pouco escrupulosas
arrastem pessoas idosas a enlaces inadequados ou inconvenientes, a lei põe
um entrave às ambições, não permitindo que os seus haveres passem ao
outro cônjuge por comunhão. Hoje
em dia, diante do preceito do art.1.641, II, do Código vigente todos os
civilistas que abordam o assunto, filiados ao Instituto Brasileiro de
Direito de Família (IBDFAM), externam a opinião de que esse dispositivo
é antiquado, discriminador, agride o princípio da dignidade da pessoa
humana, é aviltante, ultrajante às pessoas da terceira idade, que, sãs
e lúcidas, são imbecilizadas pelo Estado, que se propõe a 'protegê-las',
considerando-as incapazes de despertar afetos sinceros e intervém, para
livrá-las do perigoso 'golpe do baú'. Muitos autores acham que o art.1.641, inciso II, do Código Civil agride postulados da Carta Magna, sendo perdidamente inconstitucional, o que pode ser requerido perante o próprio juiz de Direito que preside o processo de habilitação no chamado controle difuso de inconstitucionalidade. E há um precedente importantíssimo: o atual ministro do STF, Cézar Peluso, quando era desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, num caso concreto (Apelação Cível n° 007.512-4/2-00, julgada em 18 de agosto de 1998), declarou, incidentalmente, a inconstitucionalidade do art. 258, parágrafo único, II, do Código velho - equivalente ao art.1.641, parágrafo único, II, do Código Civil em vigor -, considerando que tal norma jurídica era incompatível com os arts.1°, III, e 5°, I ,X e LIX, da Constituição Federal, autorizando que um sexagenário casasse pelo regime da comunhão e não pelo regime obrigatório da separação de bens. 29.11.2008 |
Fonte: Publicado no "O Liberal" edição de 15.11.2008 |
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