Quem ficará com minha empresa?

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Zeno Veloso
Jurista

O pai, grande empresário, tinha duas filhas e um filho, e logo colocou o rapaz ao seu lado, na administração dos negócios. Aliás, abrindo um parêntese: por que, na maioria dos casos que a gente conhece, os pais acham que o filho varão, só pelo fato de ser homem, tem mais competência, determinação e vocação para as finanças do que as filhas, só por serem mulheres? Podemos qualificar o fato como discriminação, estupidez, preconceito? Não há Constituição ou lei que consiga derrubar o machismo milenar. O filho resolveu casar-se, e o genitor interferiu, exigindo que ele celebrasse com a noiva um pacto antenupcial, estabelecendo o regime da completa e absoluta separação de bens. Explicou que isso era fundamental para evitar riscos e garantir que a fortuna da família não passasse para a nora, no caso de alguma desavença futura.

  O casamento foi realizado e o casal teve dois filhos, que o avô amava muito, até mais um pouquinho do que os filhos que tiveram suas filhas, embora proclamasse que “não fazia distinção entre os netos”, o que todo mundo ouvia e não concordava. Até porque o filho predileto adquiriu espaço na empresa, dividindo com o pai a gerência da mesma, recebeu em doação uma parte considerável das quotas do genitor, quase toda a metade que ele podia dispor livremente.

  Evidentemente, a esposa do filho não se tornou meeira, co-proprietária das quotas, dado o regime de bens do casamento. Mas a vida faz algumas surpresas, modifica planos, compromete sonhos.

 O dito filho faleceu, prematuramente, num acidente. 

O pai, passada a fase mais aguda da angústia pela perda do descendente super-amado, tratou de planejar a recomposição da situação empresarial, pensando que os únicos herdeiros do morto eram os filhos dele, dado que a viúva tinha sido casada sob o regime da separação de bens.

 Porém, o regime da separação absoluta define uma situação patrimonial durante a sociedade conjugal, ou seja, em vida dos cônjuges. 

A sucessão hereditária obedece a outras regras, possui os seus próprios princípios. 

Assim, para começo de conversa, o cônjuge é, atualmente, herdeiro necessário, vale dizer, herdeiro obrigatório, que não pode ser afastado da sucessão pelo simples testamento do outro cônjuge. Neste aspecto, está equiparado aos descendentes, e aqui temos uma inovação do Código Civil de 2002 (artigos 1.789 e 1.845).

  No caso que estamos examinando, os bens do falecido - incluindo as quotas da empresa - não vão caber somente para os dois filhos que ele deixou, mas a mãe deles terá direito a um quinhão igual ao de cada filho do “de cujus”. Portanto, há concorrência entre os filhos do falecido e o cônjuge sobrevivente, e este terá direito a uma terça parte da herança (artigo 1.829, inciso I, combinado com o artigo 1.832 do Código Civil). Cada filho, por sua vez, ficará com um terço da herança.

  Há, ainda, uma circunstância: os dois garotos são menores, de 11 e 9 anos, respectivamente. Os filhos, enquanto menores, estão sujeitos ao poder familiar (antigamente chamado pátrio poder) dos pais; na falta de um deles, o outro o exercerá com exclusividade; e a mãe, na titularidade do poder familiar, é usufrutuária e tem a administração dos bens dos filhos, durante a menoridade dos mesmos (artigos 1.630, 1.631 e 1.689 do Código Civil).

  Finalmente, aconteceu o seguinte: a nora, viúva do falecido, herdeira do marido e usufrutuária e administradora dos bens dos filhos menores, exigiu uma sala especial na sede da empresa, passou a dar ordens, contra-ordens, e mandou um recado para o sogro: “Vou mostrar para este velho como se administra uma empresa”. 

A mulher, afinal, jamais tinha esquecido que, nas vésperas do seu matrimônio, o pai do noivo havia exigido que o casamento fosse realizado pelo regime da separação absoluta. Não é costume em nosso País fazer-se testamento e não se gosta de planejar a sucessão, pensando no que vai ocorrer depois da morte. 

Agora, sobretudo, diante das alterações e inovações que trouxe o Código Civil, é preciso mudar esta cultura, os empresários, ou as pessoas afortunadas, devem procurar profissionais estudiosos, competentes, sérios, para ajudá-los a organizar a sua sucessão, estabelecendo regras e mecanismos para que o patrimônio não seja pulverizado ou destruído depois da morte daquele que o construiu com trabalho e esforço de uma vida inteira. 

Prevenir é melhor do que remediar, ensina a sabedoria de séculos. E quem já morreu nem remediar pode.

2O.01.2005 

Fonte: Jornal "O Liberal" - Edição de 27.11.2004 - Belém - Pará

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