Quem mata não herda |
ZENO
VELOSO
Jurista
Segunda-feira passada, proferi a aula inaugural do curso de pós-graduação
em Direito de Família e das Sucessões na Escola Paulista de Direito,
instituição modelar, que me deixou muito impressionado. Além dos alunos,
estiveram presentes, o que muito me honrou - e preocupou, pois são dois
representantes do que há de mais ilustre entre os jovens professores
brasileiros -, José Fernando Simão e Flávio Tartuce, autores, já, de
consagradas obras. Aliás, como falou um antigo e saudoso mestre, Haroldo
Valladão: 'Quem se declara jurista sem ter publicado livros, jurista, na
verdade, não é'. A aula se estendeu de 19
às 22h30. Houve muitas perguntas e debates, considerando que os alunos já
são graduados e, todos, tornaram-se bacharéis em Direito com notas
excelentes. Em dado momento, abordei o tema dos excluídos da sucessão,
ou seja, dos indignos de suceder por terem praticado atos ofensivos à
pessoa ou honra do titular da herança, ou conduta atentatória contra sua
liberdade de testar. As causas que determinam a exclusão de herdeiros e
legatários estão taxativamente expostas no artigo 1.814 do Código
Civil. E a exclusão não se dá automaticamente, dependendo de uma ação
própria e de sentença final, transitada em julgado, embora não se exija
- ao contrário do que se dá no direito francês e no belga - a prévia
condenação criminal. Registre-se, ainda, que são pessoais os efeitos da
exclusão, previstos no Código Civil, cujo artigo 1.816 menciona que os
descendentes do herdeiro excluído sucedem, como se ele morto fosse. O caso mais grave que
possibilita a exclusão do herdeiro ou do legatário vem previsto no
inciso I do artigo 1.814 do Código Civil, que aponta os 'que houverem
sido autores, co-autores ou partícipes de homicídio doloso, ou tentativa
deste, contra a pessoa de cuja sucessão se tratar, seu cônjuge,
companheiro, ascendente ou descendente'. Inevitavelmente, foi relembrado o bárbaro assassinato do casal Manfred e Marísia von Richthofen, ocorrido em São Paulo no dia 31 de outubro de 2002. Suzane, a filha do casal, seu namorado, Daniel, e o irmão dele, Christian Cravinhos, tiraram as vidas de Manfred e Marísia enquanto eles dormiam, aplicando-lhes violentos golpes na cabeça, com barras de ferro. O Ministério Público
denunciou-os por crime de duplo homicídio triplamente qualificado por
motivo torpe, meio cruel e impossibilidade de defesa da vítima; e fraude
processual, por terem alterado a cena do crime. O julgamento da trinca
ocorreu em julho de 2006, e todos foram condenados: Suzane e Daniel
pegaram 39 anos, e Christian 38 anos de cadeia. Por sua vez, na área cível,
o irmão de Suzane, Andréas Albert von Richthofen, ingressou com ação
declaratória para excluir a homicida da herança de seus pais, ou seja,
das pessoas que assassinou. Por incrível que pareça, até o presente
momento, tantos anos passados do bárbaro crime, o processo não chegou ao
fim e ainda não se proferiu uma decisão a respeito da exclusão de
Suzane da herança de Manfred e Marísia. Um advogado me contou que aqui, no Pará, ocorreu caso interessante, pedindo minha opinião. Gilmar e Carolina
eram casados sob o regime da comunhão universal. O casal tinha uma filha,
Amanda, e o marido tinha outro filho, Luís, de relacionamento anterior.
Carolina praticou contra Gilmar crime de homicídio doloso e, depois,
suicidou-se. Mesmo que fosse possível a propositura e prosseguimento da ação
após a morte do indigno (Maria Helena Diniz e Carlos Roberto Gonçalves
afirmam que não; Francisco Cahali e Giselda Hironaka dizem que sim), no
caso, a autora do homicídio, Carolina, era meeira, em razão do regime de
bens do casamento, e este fato não fica alterado por ter a esposa matado
o marido, uma vez que meação não é herança. Quem é declarado indigno
perde o direito de herdar, todavia, mantém sua meação, que tem outra
razão jurídica e não depende da morte. A herança de Gilmar será
dividida, em partes iguais, entre seus dois filhos. Entretanto, a meação
de Carolina irá, exclusivamente, para sua filha, Amanda. PS.: Quinta-feira, à
noite, recebi telefonema do amigo Mário Delgado e ele me disse que estava
com um grupo, no restaurante Itamarati, em São Paulo, festejando o
resultado do disputadíssimo concurso de professor doutor da tradicional
Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, da USP. José Fernando
Simão, citado na coluna de hoje, obteve o primeiro lugar. Viva o Simão! 16.03.2008 |
Fonte: Jornal "O Liberal" - edição 16/02/2008 |
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