Cuidado ao passar uma procuração
www.soleis.adv.br 

ZENO  VELOSO
Jurista
 

            Depois de fazer um excelente curso de odontologia na Universidade Federal do Pará, José Mota, que já era funcionário público, nível médio, fez vários concursos, em diversos locais, por todo o Brasil. Estudioso, caprichoso, persistente, levou três anos nessa luta, acabou sendo aprovado e classificado em São Paulo e foi chamado para trabalhar numa unidade de saúde no interior daquele Estado.

Tratou de se transferir, o mais rápido que foi possível. Avisou à noiva que o casamento ocorreria dentro de um ano e nomeou um colega da repartição seu procurador para resolver diversos assuntos: receber importâncias de que era credor, vender o automóvel, ceder e transferir os direitos de promitente comprador de um pequeno apartamento, movimentar duas contas correntes bancárias, emitir cheques, pagar algumas prestações, retirar dinheiro, encerrar as contas, pagar impostos, assinar declarações de renda, representá-lo em repartições e cartórios, constituir advogado, se preciso.

Era uma procuração pública, feita num tabelião da capital, com amplos e gerais poderes, sem prazo determinado de vigência, mas o dentista tinha confiança no procurador que havia escolhido e nomeado. Estava até muito agradecido pelo favor que recebia.

Passados dois meses, morando em São Paulo, José Mota tomou conhecimento de que havia feito uma péssima escolha: o procurador não prestava contas, recebia, embolsava e gastava o dinheiro, não estava fazendo pagamento algum e havia oferecido o automóvel à venda pela metade do preço do que valia. Em suma, no lugar de amigo, de pessoa de confiança, o procurador era um pilantra, um ladrão.

Desesperado, tendo de tomar uma providência urgente, para diminuir e paralisar o enorme prejuízo que estava sofrendo, Mota procurou se aconselhar com um advogado, que informou-lhe que devia, imediatamente, revogar a procuração que havia outorgado. Como sairia muito dispendioso viajar a Belém para tomar essa providência, explicou que ele podia ir a um cartório, mesmo em São Paulo, fazer a escritura de revogação da procuração, requerendo ao tabelião paulista que enviasse um ofício ao cartório de Belém, avisando que a procuração aqui existente havia sido revogada, perdendo, então, toda eficácia, não podendo mais o procurador infiel e bandido utilizar os poderes. E tudo foi feito dessa maneira, seguindo-se direitinho a orientação.

Esta semana, recebi a visita de uma amiga, contemporânea da Faculdade de Direito, que todavia dedicou-se a outras atividades, jamais atuou na área jurídica, e ela se fazia acompanhar da filha, uma bonita jovem, que era a ansiosa noiva do dentista. Contaram-me tudo, expuseram todo o ocorrido e, no final, a moça fez a pergunta: 'Está tudo certo? Meu noivo pode ficar tranqüilo? Não vai haver mais despesas, prejuízos? O casamento corre risco?' Achei engraçada essa última questão, mas compreendi a razão, o motivo de estar inserida no problema.

Respondi que o encaminhamento do advogado, em São Paulo, tinha sido bom, as providências tomadas eram satisfatórias, mas, infelizmente, insuficientes. Tive de alertar à minha antiga amiga e sua filha que o dentista precisava fazer mais e muito mais. A revogação do mandato tem de ser notificada ao mandatário, isto é, ao procurador. E ainda que tenha sido notificada o procurador, não se pode opor aos terceiros que, ignorando-a, de boa-fé com ele trataram, como diz o art. 636 do Código Civil. Em suma, para que o outorgante fique razoavelmente despreocupado e seguro, isento de responsabilidades e problemas futuros, terá de revogar o mandato, de notificar o procurador da revogação, e tornar pública esta revogação e extinção do mandato, e avisando todas as repartições, bancos, pessoas com as quais mantinha relações ou negócios, utilizando, inclusive, de edital ou aviso pela imprensa. Neste tema, dizia o Rômulo, 'todo descuido pode ser fatal'.            

06.12.2008 

Fonte: Publicado no "O Liberal" edição de 06.12.2008

Início

www.soleis.adv.br            Divulgue este site