O PROCEDIMENTO SUMARÍSSIMO NA CONTRAMÃO DA CELERIDADE PROCESSUAL

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ISABELLI GRAVATÁ
Bacharel em Direito pela Faculdade Cândido Mendes - Centro/RJ,Mestre em Direito Público pela UNESA/RJ, Especialista 
em Direito Empresarial pela Faculdade Cândido Mendes - Centro/RJ

 

     A Lei nº 9.957, de 12 de janeiro de 2000, acrescentou os arts. 852-A, 852-I à Seção II-A do Título III (Dos Dissídios Individuais) e os arts. 895, § 1º, 896, § 6º, e 897-A ao Capítulo VI (Dos Recursos) do Título X da Consolidação das Leis do Trabalho, instituindo o chamado procedimento sumaríssimo no processo do trabalho.

Nos dias atuais, o aumento no número de demandas trabalhistas (estatística divulgada no site www.tst.gov.br) impôs a criação de um mecanismo que fizesse valer os princípios da celeridade e da economia processual e, com esse espírito, foi editada a Lei do Procedimento Sumaríssimo.

Mister salientar a importância do princípio da celeridade, que ganhou status constitucional com a edição da EC nº 45/04. Com efeito, um dos maiores tormentos a que são submetidos os litigantes é a morosidade do processo judicial, pois avilta a parte, fere de morte o ideal da justiça e se constitui mais uma razão para o descrédito e o desprestígio do Poder Judiciário.

A lei que criou o procedimento sumaríssimo na Justiça do Trabalho fê-lo na tentativa de desafogar os tribunais das causas de menor complexidade, ou seja, aquelas cujo valor não exceda a quarenta vezes o valor do salário mínimo vigente à época da interposição.

Trata-se, portanto, de um procedimento célere, que possui três requisitos, a saber:

• Limite máximo de quarenta salários mínimos (CLT, art. 852-A) – o valor da causa não poderá ultrapassar quarenta vezes o salário mínimo nacionalmente unificado (CF, art. 7º, IV);

• Inicial líquida, com pedido certo ou determinado1 (CLT, art. 852-B, I) – todos os pedidos deverão conter a expressão monetária correspondente, quando possível;

• Nome e endereço do réu corretos (CLT, art. 852-B, II).

Na falta de qualquer um desses requisitos, o processo será arquivado, i.e., extinto sem resolução de mérito (CLT, art. 852-B, § 1º).

A lei proíbe a citação por edital (CLT, art. 852-B, II). E, tratando-se o réu de ente público, que goza da prerrogativa do prazo em quádruplo para defesa, incabível a interposição de ação pelo procedimento sumaríssimo (CLT, art. 852-A, parágrafo único).

Ao abrir a audiência, o juiz fará uma proposta conciliatória. A partir daí, as partes podem conciliar-se a qualquer momento, mas a lei não fixa nova oportunidade para a proposta, como ocorre no procedimento ordinário (CLT, art. 852-E). Serão ouvidas até duas testemunhas para cada parte (CLT, art. 852-H, § 2º). Na ata de audiência será registrada breve reprodução do que foi tratado. Detalhes não serão reproduzidos, só o que interessa para a solução da causa (CLT, art. 852-F).

A audiência será, em regra, una. As testemunhas devem ser levadas a juízo pelas partes, independentemente de intimação. Caso uma delas não compareça, o juiz adiará a audiência mediante a comprovação de que foi convidada pela parte (por carta registrada, telegrama, aviso de recebimento etc), na forma do disposto no  § 3º do art. 852-H da Consolidação das Leis do Trabalho.

Cabe perícia, desde que célere. Ao nomear o perito, o juiz fixará o objeto da perícia, restringindo-a ao que interessa (CLT, art. 852-H, § 4º). De imediato, estabelecerá também o prazo para sua realização. As partes terão prazo comum de cinco dias para se manifestarem sobre o laudo (CLT, art. 852-H, § 5º).

O juiz proferirá a sentença em quinze dias contados da interposição da ação (CLT, art. 852-B, III). Esse prazo exíguo deixa clara a impossibilidade de o ente público figurar como réu no sumaríssimo, uma vez que a notificação para a audiência deve ser feita com vinte dias de antecedência, em respeito ao que vaticina o Decreto-Lei nº 779/69.

No caso de a audiência vir a ser adiada, o juiz terá mais trinta dias para proferir a decisão (CLT, art. 852-H, § 7º). Pode ocorrer que, mesmo com o alongamento do prazo, não consiga ele sentenciar. Havendo motivo relevante, deverá o magistrado justificar nos autos o não-cumprimento do prazo estipulado.

Não é possível emendar a inicial pela aplicação subsidiária do Código de Processo Civil (prazo de dez dias), por ser esse procedimento incompatível com os quinze dias que o juiz tem para proferir a sentença.

A sentença não precisa ser líquida nem o juiz inserir nela o relatório. Tecnicamente, a sentença é dividida em três partes: relatório, fundamentação e dispositivo. O relatório é o resumo do processo; a fundamentação é a justificação da sentença (motivos, amparo legal); e o dispositivo é a decisão, isto é, o julgamento em si, a parte que transita em julgado.

No sumaríssimo, o juiz está dispensado de fazer o relatório, devendo apresentar tão-somente um resumo dos fatos relevantes havidos na audiência, fundamentar e decidir (CLT, art. 852-I).

Em regra, assim como no procedimento ordinário, a sentença deverá ser proferida em audiência.

No que concerne aos recursos, o procedimento também é célere. A lei, entretanto, não dispõe de forma diferente sobre a execução, o que é criticado por muitos, pois a celeridade processual acaba no momento de executar-se a sentença, o que é mais importante.

Em suma, as características principais do procedimento sumaríssimo são:

· Valor da causa até quarenta salários mínimos (CLT, art. 852-A);

· Exclusão dos entes públicos (CLT, art. 852-A, parágrafo único);

· Inicial com pedido certo ou determinado, mencionando-se o valor correspondente (CLT, art. 852-B, I);

· Proibição da citação por edital (CLT, art. 852-B, II);

· Apreciação do pedido em até quinze dias contados da data do ajuizamento da ação (CLT, art. 852-B, III);

· Audiência una;

· Conciliação em qualquer fase da audiência, devendo o juiz, ao abrir a sessão, esclarecer as partes sobre as vantagens da conciliação (CLT, art. 852-E);

· Máximo de duas testemunhas para cada parte (CLT, art. 852-H, § 2º);

· Prova pericial somente quando o fato exigir, ou for legalmente imposta, incumbindo ao juiz fixar o prazo, o objeto da perícia e nomear o perito (CLT, art. 852-H, § 4º);

· Sentença proferida em audiência, com dispensa do relatório (CLT, art. 852-I);

· Permanência do recurso ordinário com o relator no prazo máximo de dez dias, sem revisor, podendo o Ministério Público do Trabalho dar parecer oral (CLT, art. 895, § 1º, II e III);

· Dispensa do relatório, se a sentença for mantida pelos próprios fundamentos, bastando uma certidão (CLT, art. 895, § 1º, IV);

· Restrição nas hipóteses de cabimento do recurso de revista (CLT, art. 896, § 6º).

O cerne da questão é: será que o que a lei criou efetivamente acelerou o julgamento das causas de menor complexidade e serviu para desafogar o Judiciário?

Entendemos que não. O procedimento célere existe, porém sua efetivação está longe de ocorrer no atual contexto. Ademais, vivemos num país de dimensão continental e com grande diversidade cultural, não podendo, por exemplo, o Judiciário do Rio de Janeiro ser comparado ao de Tocantins.

A lei instituiu um procedimento célere, entendido por muitos como de observância obrigatória, para causas até quarenta salários mínimos, o qual, segundo a doutrina, foi inspirado na Lei nº 9.099, de 26.09.95, que instituiu os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, em substituição aos antigos Juizados de Pequenas Causas, previstos na Lei nº 7.244, de 07.11.84. Curioso, no entanto, observar que a Lei nº 9.099/95 teve inspiração na CLT. Vê-se daí a volta dada para se chegar à própria lei trabalhista.

Ocorre que a Lei nº 9.099/95 trouxe celeridade às causas de pequeno valor, porque criou Juizados Especiais. Na Justiça do Trabalho, sem a criação de Varas Especiais, será difícil efetivar um procedimento distinto do tradicional. De fato, o número de causas pendentes de julgamento não sofreu redução com a implantação do procedimento sumaríssimo.

Por outro lado, nenhuma mudança foi feita na fase de execução, o que dificulta a prestação da tutela jurisdicional, já que o processo de conhecimento célere gera apenas uma sentença. A verdadeira entrega do bem jurídico só se concretiza com a execução, que continua morosa.

No processo comum, o juiz, diante de um pedido líquido, deverá proferir sentença líquida (CPC, art. 459, parágrafo único). No procedimento sumaríssimo trabalhista, tal dispositivo foi vetado, inexistindo obrigatoriedade de o juiz proferir sentença líquida. Com o texto atual, há necessidade do início normal de uma fase de execução, ou seja, devem as partes, o contador judicial ou o perito liquidar a sentença.

Portanto, ainda que a prolação da sentença se dê mais rapidamente – o que não tem ocorrido –, de qualquer sorte, na fase da execução o trâmite continua lento, o que induz à conclusão que passamos a ter “um sonho de procedimento”.

Com efeito, a morosidade na Justiça Trabalhista continuou, visto que o número de juízes não aumentou, não foram criadas Varas especializadas para causas de pequeno valor nem a fase de execução foi alterada pela Lei do procedimento sumaríssimo, logo, só nos resta, agora, a esperança de que com a reforma do CPC possamos melhorar a fase de execução e iniciarmos a realização da tão almejada celeridade.

 

BIBLIOGRAFIA

 

Almeida, Amador Paes de. O Procedimento Sumaríssimo na Justiça do Trabalho e Comissões de Conciliação Prévia, 2. ed., São Paulo, Saraiva, 2000.  
Bebber, Júlio César. Procedimento Sumaríssimo no Processo do Trabalho, São Paulo, LTr., 2002.  
Bomfim, Benedito Calheiros. Conciliação Prévia e Procedimento Sumaríssimo na Justiça do Trabalho, Rio de Janeiro, Edições Trabalhistas, 2000.  
Martins, Sergio Pinto. Comentários à CLT, 5. ed., São Paulo, Atlas, 2001.  
Comissões de Conciliação Prévia e Procedimento Sumaríssimo, 2. ed., São Paulo, Atlas, 2001.  
Nascimento, Amauri Mascaro. Curso de Direito Processual do Trabalho, 20. ed., ampl. e atual., São Paulo, Saraiva, 2001.  
Norris, Roberto [et al.]. Inovações no Processo do Trabalho: Procedimento Sumaríssimo (Lei nº 9.957/2000) e Comissão de Conciliação Prévia (Lei nº 9.958/2000), Rio de Janeiro, Forense, 2000.  
Oliveira, Francisco Antonio de. Consolidação das Leis do Trabalho Comentada, 2. ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2000.  
Paiva, Mário Antônio Lobato de. A Lei do Rito Sumaríssimo e das Comissões de Conciliação Prévia na Justiça do Trabalho Vista pelos Juristas, Rio de Janeiro, Forense, 2002.  
Palma, João Augusto da. Jurisprudência do Sumaríssimo e da Conciliação Prévia, São Paulo, LTr., 2002.  

Ramos, Alexandre [et al.]. Procedimento Sumaríssimo e Comissão de Conciliação Prévia, Florianópolis, OAB/SC, 2000.  

Russomano, Mozart Victor [et al.]. Consolidação das Leis do Trabalho Anotada, Rio de Janeiro, Forense, 2002.

  NOTA  

1    O artigo 852-B, I, da CLT reproduz o equívoco do art. 286 do CPC. Segundo J. J. Calmon de Passos acerca do pedido ser certo ou determinado, “temos que ele deve ser certo e determinado. Não se cuida de uma alternativa, mas de uma copulativa, pois ambas as qualidades lhe são imprescindíveis”. Passos, José Joaquim Calmon de. Comentários ao Código de Processo Civil, vol. III, arts. 270 a 331, 2. ed., Rio de Janeiro, Forense, 1977, p. 232.  

ISABELLI GRAVATÁ é Bacharel em Direito pela Faculdade Cândido Mendes (RJ), Mestre em Direito Público pela UNESA (RJ), Especialista em Direito Empresarial pela Faculdade Cândido Mendes (RJ), Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Cândido Mendes (UCAM), ex-residente jurídica da área Trabalhista da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Professora universitária e de cursos preparatórios para concursos públicos – área jurídica e área fiscal, Assessora do Diretor da Faculdade Moraes Júnior (Mackenzie Rio), Presidente do Conselho Editorial da Editora Impetus e Servidora Pública Federal do TRT/1ª Região.

             

18.08.2006 

Fonte: Remetido por e-mail

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