Goiânia,
03/04/2007 – O editorial “Privilégio para improbidade?” foi
publicado na edição de hoje (03) do jornal O Popular de Goiânia:
“O político
Luiz Inácio Lula da Silva que, em seus 20 anos de ferrenha oposição,
condenava as medidas provisórias e agora, na Presidência da República,
as edita em profusão, revela que ele hoje representa a tese, a antítese
e a síntese da contradição. Adotando o estilo personalista e autoritário
do faça o que mando e não olhe o que faço, basta dizer que, ainda no início
de seu segundo mandato, completando quatro anos e três meses de governo,
o primeiro mandatário do País já enviou ao Congresso mais de 280 MPs,
ou seja, superando as que foram editadas nos oito anos do governo Fernando
Henrique.
Lula dizia
que a função do Congresso (Câmara e Senado) é legislar, o que é
verdade, mas FHC, afirmava o petista, estava retirando essa atribuição
do poder legiferante. Quem legisla é o Executivo e não o Congresso,
criticava. Todavia, com seu festival de MPs, o atual chefe do governo já
ganhou de seus antecessores, sobretudo do período de oito anos de FHC. O
mais grave agora é a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que institui
o foro privilegiado para os delitos de improbidade na pública administração.
Entre
perplexa e indignada, a sociedade questiona: em que país estamos, onde o
presidente da República e seus áulicos se empenham na aprovação de uma
Proposta de Emenda Constitucional que assegura foro privilegiado para
autoridades e ex-integrantes de funções públicas investigados por
crimes de improbidade e enriquecimento ilícito?
Se referida
PEC surgiu no final do mandato de FHC, mas não foi aprovada, hoje, no
governo Lula, ela está sendo reativada a todo vapor e tudo indica que a máquina
do adesismo, pressionada pelo Planalto, não medirá esforços para
agradar ao rei. É por isso que os figurões, que praticaram ou praticam vários
delitos, a exemplo dos notórios escândalos de corrupção (mensalão,
sanguessugas, obras superfaturadas, valerioduto, desvios de dinheiro público
etc.), continuam certos da impunidade. Se uma PEC dessa natureza chegar a
ser aprovada pela maioria fisiológica do Congresso, teremos, como bradava
Rui Barbosa, a subversão e inversão da ordem constitucional e jurídica.
Garantir foro
privilegiado para autores de crimes de improbidade, além de acintoso ao
primado igualitário da lei, é violentar o Estado Democrático de
Direito, assim como oficializar a inépcia do Judiciário e do Ministério
Público. Uma PEC que premia os grandes ladrões com foro privilegiado,
envergonha qualquer nação civilizada, pois deteriora a organização jurídica
e afronta os princípios da moralidade. É ser generoso com os ladrões de
milhões e rigoroso com os ladrões de tostões. A Justiça deixa de fazer
justiça para se transformar em trincheira avançada da impunidade dos
megacorruptos e corruptores.
Por isso, o
Congresso brasileiro tem o dever moral de repudiar essa emenda que propõe
o odioso foro privilegiado sob pena de perder, de uma vez por todas, a
confiabilidade do povo e da Nação. É verdade que ainda há uma pequena
minoria de parlamentares decentes e corretos na Câmara e no Senado, os
quais, por certo, no momento oportuno, mobilizarão a opinião pública
nacional contra essa PEC inconstitucional, ilegal e despudorada. A PEC é
tão imoral que, além de autoridades no exercício da função, também
propõe foro privilegiado para ex-ocupantes de cargos públicos, em seus
diversos níveis, investigados por improbidade administrativa e
enriquecimento ilícito. Ela se relaciona à Lei 8.429, de 2 de junho de
1992, que pune a improbidade administrativa e o enriquecimento ilícito no
exercício do mandato, cargo, emprego ou na administração direta,
indireta ou fundacional. Foro privilegiado por quê?
Referida lei
foi elaborada pelo respeitado jurista Célio Borja, então ministro da
Justiça de Fernando Collor que, por ironia, foi afastado da Presidência
da República por processo de impeachment. Collor foi eleito senador por
Alagoas (PRTB) e já mudou de legenda (PTB), a exemplo de centenas de políticos.
Discursou no Senado, jurando inocência, mas não esclareceu o esquema PC.
No ponto de vista ético, não ficou bem para ele, na condição de seu
figadal crítico e adversário político, compor o adesismo a Lula. O
presidente de seu partido, Roberto Jefferson (ele merece a delação
premiada), foi quem detonou os porões da República petista com as denúncias
do valerioduto, do mensalão e do caixa 2.
Quanto à PEC
que cria o foro privilegiado para os crimes de improbidade e
enriquecimento ilícito (ela colide com o princípio de isonomia), é o
caso de os segmentos organizados da sociedade saírem às ruas para
protestar contra essa promiscuidade que o governo pretende legalizar. Para
essa cruzada anticorrupção e repulsa aos desmandos, se impõe a mobilização
da Ordem dos Advogados do Brasil, Associação dos Magistrados do Brasil,
Associação Nacional do Ministério Público, Associação Brasileira de
Imprensa, Conselho Nacional de Justiça, Federação Nacional de
Jornalistas, União Nacional dos Estudantes e outras entidades não-governamentais.
Onde estão os caras-pintadas da UNE que foram às ruas nos centros
urbanos para pedir o impeachment de Collor? Sumiram. O presidente da Câmara
dos Deputados, o petista Arlindo Chinaglia, em vez de ser um magistrado na
presidência da Casa, vestiu a camisa do partido e se tornou o porta-voz
do Palácio do Planalto. Tanto que, nos bastidores, ajudou a arquivar, na
Câmara que preside, a CPI do Apagão Aéreo.
Diante do que
analisamos sobre a PEC do foro privilegiado, fazemos nossas as expressões
do promotor João Francisco Moreira Viegas, do Ministério Público de São
Paulo, em recente advertência à Nação: Vão instalar nesse País o
regime do vale-tudo, onde roubar vale a pena. Para ele, que coordena as
Promotorias da Cidadania, órgão do MP investigativo da corrupção, se
essa emenda for acolhida, 14 mil ações de caráter cível abertas em
todo o País, com base na Lei da Improbidade, serão imediatamente
arquivadas. Se aprovada acrescentamos será o apagão penal para os figurões
da República que incorreram (ou incorrem) em delitos de improbidade
administrativa e enriquecimento ilícito.”
13.04.2007
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