O SUCATEAMENTO DA POLÍCIA JUDICIÁRIA BRASILEIRA

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RICARDO CAÇAPIETRA,
 Delegado de Polícia Civil do Estado do Pará.


Não obstante ocupe um lugar de destaque no texto constitucional, especialmente no que se refere a apuração de infrações penais, a polícia judiciária brasileira nestes quase 23 anos de redemocratização não galgou qualquer avanço significativo no que tange ao exercício do seu poder-dever de investigar.


Poderíamos elencar inúmeras causas para esse inadimplemento constitucional, mas podemos nos fixar em apenas três linhas investigativas. A primeira, diz respeito a ingerência política. A segunda, a usurpação da função. A terceira, a desmotivação dos integrantes da instituição. Analisando objetivamente tais informações chegamos a conclusão de que essas três causas estão ligadas, senão interdependentes.


A ingerência política por si só é complexa, mas num país onde a ética não existe, ou está em extinção, é preocupante e diretamente responsável pela fraca atuação investigativa. É comum percebermos que a organização funcional administrativa das policiais judiciárias favorece a existência de relações políticas no seu amago. Ora, sabemos que o resultado das investigações acaba sendo atrelado politicamente, desta feita o interesse público, que muitas vezes é contrário ao interesse político, acaba sendo vilipendiado. Assim sendo, a investigação acaba tomando um rumo burocrático e controlado. Define-se quem tem que investigar, porque, por incrível que pareça, ao contrário dos juízes e promotores, que contam com o chamado principio natural da competência ou da atribuição, os Delegados de Polícia podem ser mudados de local de atuação e novamente mudados, ao bel prazer administrativo. No que diz respeito ao objeto da investigação, o foco central é nas camadas de baixa renda ou, nos termos que criei, de baixa expressão social (sob a ótica capitalista é claro). Dessa forma, a polícia judiciária foca seus parcos meios investigativos nas periferias, nos morros, nas favelas, nos alagados, nas invasões, fazendo as vezes apenas de controlador social oficial do Estado. Nesta seara, podemos dizer que o investigado é escolhido pela polícia judiciária em razão da expressão social que possui e não pelos crimes que comete.

 

 

No que tange a usurpação constitucional da função de investigar vamos nos aprofundar no assunto. Não há dúvidas de que outros órgãos estão fazendo usucapião da investigação policial. Muitos acreditam estar exercendo um direito sagrado, mas o futuro irá demonstrar-lhes de que era uma verdadeira utopia ditatorial que exerciam.


Não tenho a menor dúvida de que a investigação policial foi muito discutida quando da edição da constituição cidadã. E não era para se esperar outra coisa. Mais de vinte anos de ditadura, que se apoiava no controlador social oficial, muito mais que na força militar.


Se de um lado existia um resquício natural quanto a polícia, de outro podemos dizer que o legislador constitucional viu as inúmeras garantias que a investigação de infrações penais feita pela polícia judiciária proporcionaria ao cidadão. Assim sendo, inserto no texto constitucional, mais precisamente no seu art. 144, § 2º, in verbis: às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.


Ora senhores, não foi sem razão que o constituinte inseriu tal garantia fundamental. A investigação deve ser balizada pelos dispositivos constitucionais e pelo ritos, limites e garantias, previstos no código de processo penal e leis extravagantes, conforme prevê o ordenamento jurídico nacional.


Tal mandamento constitucional é um direito individual cercado de inúmeras garantias. Desta feita, não pode ser objeto de reforma qualquer disposição que busque suprir da polícia judiciária o poder-dever de investigar, conforme prevê o art. 60, § 4º, IV da carta constitucional. Muito pelo contrário, aqueles que tem o espírito democrático têm que lutar pela afirmação da investigação penal como mister exclusivo da polícia judiciária.


Sabemos que a cada dia órgãos são criados, dotados de pessoal e de material com o objetivo de investigar, em contradição com a vontade constitucional. Minhas perguntas são simples, mas demandam um certo raciocínio com vistas as resposta corretas. Que verba orçamentária é destacada para mobilizar esses órgãos? Que concurso é realizado para suprir de pessoal esses órgãos? Que investigação é essa que é feita a margem da lei e da constituição? Que garantias são disponibilizadas ao cidadão investigado? Por fim, qual a finalidade de tais investigações?


Vamos responder cada ponto.


Primeiro ponto. A verba orçamentária é destacada em prejuízo das atividade realizadas pela polícia judiciária, que constitucionalmente é o órgão com atribuição para investigar, mas recebe ínfimos investimentos para cumprir sua missão. Podemos constatar tal assertiva no jornal a "folha de São Paulo", publicada hoje, com a seguinte manchete: Polícia Militar recebe mais investimentos do que a Polícia Civil. Temos de lembrar que no caso de São Paulo é a Polícia Militar que recebe mais investimentos que a Polícia Civil, mas não podemos olvidar que em outros locais, órgãos são criados dentro da estrutura administrativa estatal e acabam absorvendo os recursos que deveriam ser destinados ao sistema de segurança pública previsto constitucionalmente, em especial à polícia judiciária, que simplesmente é a responsável por transformar o fato social em fato jurídico, na esfera penal, com respeito aos ditames constitucionais e legais.


Segundo ponto. Não existe concurso público, simplesmente servidores de outros órgão são direcionados aquele que foi criado, ocupando cargos em comissão ou recebendo os famigerados DAS, que nada mais é do que um controle político sobre o exercício profissional. Um adendo quanto ao assunto da remuneração. Temos que destacar que o poder constituinte reformador com a edição da EC N. 18/1998 previu, sabiamente, o recebimento de subsídio pelo Delegado de Polícia. Tal disposição tinha por objetivo diminuir a ingerência política na instituição polícia judiciária, já que aqueles que a dirigem receberiam o subsídio, em parcela única. Tal medida certamente acabaria com a briga pelo DAS, que mais parece um vale-tudo institucionalizado.


Terceiro ponto. Essa investigação é ilegal e inconstitucional. Certamente esconde algum objeto escuso, camuflado, que não se coaduna com o espírito democrático, que deveria permear as relações sociais.


Quarto ponto. Ao cidadão, vítima de tal investigação, não lhe é disponibilizado nenhuma garantia, afinal trata-se de uma atividade ilegal, a margem do texto constitucional.

Quinto ponto. O mais importante. Só podemos inferir que a investigação conduzida por quem não tem o poder-dever de investigar, sem respeito a qualquer garantia fundamental, com a mobilização de recursos públicos com desvio de finalidade, só pode ser destinada a garantir privilégios, ou melhor, carreada de ingerência política com vistas a manutenção de um status quo.


Daí perquirirmos a existência de outras organizações pelo mundo que aparentemente surgiram abarcadas pela legalidade, mas que com o passar do tempo acabaram assumindo suas verdadeiras finalidades. Como exemplo, temos a GESTAPO, polícia política nazista. Como forma de não me alongar mais sobre a definição do termo, faço uso das informações contidas no WIKIPÉDIA, acessadas no dia de hoje, que define a GESTAPO como:


(...) criada em 26 de abril de 1933, na Prússia, a partir da Polícia Secreta Prussiana. No início, era apenas um ramo da polícia prussiana, conhecida como "Departamente 1A da Policial do Estado Prussiano". Seu primeiro comandante foi Rudolf Diels, que recrutou membros de departamentos policiais profissionais e fez com que ela funcionasse como uma Polícia federal, semelhante ao FBI dos EUA. O papel da Gestapo como polícia política só foi estabelecido quando Hermann Göring foi designado para suceder Diels como comandante, 1934. O termo Gestapo vem da abreviação de Geheime Staatspolizei (Polícia secreta do Estado) e levou o governo nazista a expandir sua força para além da Prússia, para toda a Alemanha. Só não teve sucesso na Baviera, onde Heinrich Himmler, chefe da SS, era o presidente de polícia e usava as forças locais da SS como polícia política. A Gestapo era a garantia do completo domínio da população pelo Partido nazista.Ela foi a polícia política da Alemanha nazi; criada em 26 de abril de 1933 por Hermann Göringe reorganizada em 1936 por Reinhard Heydrich, passou sob o controle deHeinrich Himmler em 1934.Esta polícia funcionava sem tribunal, decidindo ela mesma as sanções que deviam ser aplicadas. Tornou-se célebre primeiramente na Alemanha, e depois em toda a Europa ocupada, pelo terror implacável de seus métodos. A Gestapo representou o arbítrio e o horror das forças nazistas. Sua sede ficava na rua Prinz-Albrechtstrasse, em Berlim - onde há um museu sobre a sua história.Um dos métodos de atuação de seus membros era disfarçando-se de operários e indo "trabalhar" nas fábricas; lá, eles aguçavam os outros operários para uma revolta contra o governo, a polícia secreta passava uma lista onde os operários que estavam a favor assinavam seus nomes. Durante a noite os operários que assinavam a lista recebiam uma visita de alguns policiais fardados e com um botton de um crânio e uma águia de ferro no quepe. No dia seguinte o operário era substituído por outro, pois ninguém mais o via. O bótom em forma de crânio é a caveira símbolo das SS, ou "totenkopf", em alemão. Foi inspirada no emblema de guardas prussianos do século XVIII.A Gestapo também era famosa pelo jogo de "gato e rato" que fazia com todos aqueles que julgava suspeitos. Em outras palavras, jamais prendia alguém imediatamente; mas estimulava suas supostas atitudes subversivas, para pegar não somente um suspeito mas, se possível, todos aqueles que com ele tivessem ligação.

Para aqueles desavisados que acreditam que não existe polícia política no Brasil, digo que não existe nos moldes nazistas, mas não esqueçamos da ideologia partidária que a cada quatro anos vai e vem neste país. Não chega ao radicalismo nazista, mas igualmente não obedece ao direito sagrado de livre expressão do pensamento e acaba com seus atos conduzindo o regime democrático para uma autocracia velada. Destacamos que até hoje não tivemos uma força política que tenha respeitado o direito constitucional de ser investigado por quem tem atribuição para isso.


A terceira causa do sucateamento da polícia judiciária é simples de ser explicada em face do que foi exposto até aqui. Um trabalho desgastante, feito contra tudo e contra todos, com ingerência política, e ainda por cima com inexistente valorização profissional, só pode ser uma atividade desmotivante.


Por fim, concluindo o que foi exposto, vislumbramos a necessidade de que se façam mudanças significativas com vistas ao aperfeiçoamento da instituição polícia judiciária, proporcionando condições para que efetivamente possa realizar seu trabalho, tornando-se um instrumento de consecução de justiça.


Algumas medidas que devem ser tomadas pelos gestores públicos:


1ª) eximirem-se de repassar qualquer verba orçamentária (compra de matérias e pagamento de pessoal), sob pena de responsabilidade, para quem não tem atribuição constitucional de investigar;


2ª) Estender ao delegado de polícia as mesmas garantias que gozam os promotores, juízes e defensores públicos;


3ª) instituir o subsídio como única forma de remuneração do Delegado de Polícia;


4ª) Garantir maiores recursos financeiros para investimentos em meios tecnológicos de investigação;


5ª) Garantir melhores rendimentos aos demais membros da instituição polícia judiciária;


6ª) instituir a lista tríplice com forma de escolha do Delegado Geral;


7ª) fortalecer a corregedoria de polícia, estabelecendo uma rotina de trabalho pro-ativa; e


8ª) trabalhar para que a polícia judiciária torne-se efetivamente uma polícia de estado e não de governo.

 


Belém-PA, 29 de abril de 2011.


RICARDO CAÇAPIETRA, 
Delegado de Polícia Civil do Estado do Pará.

 

 

P.S. texto feito em lembrança daqueles que já cruzaram seus braços.

04.05.2011 

Fonte: Remetido por e-mail 

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