Filho de 40 anos quer pedir pensão ao pai

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Zeno Veloso
Jurista

   Com muita dificuldade, Francisquinho completou o 2º grau, depois de passar por três colégios e duas reprovações. Gostava de futebol e de baladas. Seu pai, Raimundo, depois de repetidas decepções, desistiu de ver o filho formado e o afastamento entre os dois era visível.

Pelo menos, o rapaz conseguiu emprego de representante comercial numa distribuidora e, com boa aparência e conversa simpática, ganhava para sobreviver. Junto com outro colega, costumava sair com umas mocinhas bem modernas e liberais. Dançavam, bebiam, e dormiam juntos, que ninguém é de ferro. Sua companhia mais constante era uma morenaça de nome Anita. Mas apenas namoravam, “ficavam”, não havia nenhum compromisso mais sério entre os dois. Um dia, Francisquinho, saudoso da boa amiga, como de costume, convidou-a para passar um domingo alegre na praia. Tomou o maior susto da vida, pois a pequena lhe disse: “nunca, jamais, estou saindo com seu Raimundo, teu pai”.

Procurou então nosso amigo encontrar-se com o pai, a quem já não via há bastante tempo, e resolveu sondar a extensão do relacionamento do “velho” com a pequena. O pai foi seco e direto: “estou gostando muito de Anita, ela me completa, nunca vi mulher igual, vou ficar com ela”. Francisquinho encheu-se de coragem e, embora omitindo o detalhe de que ele próprio havia namorado - e bem mais que isso - a pequena, contou-lhe alguns detalhes do comportamento dela. O pai, cheio de ódio, respondeu: “desaparece da minha frente. Estás é com despeito, inveja, ciúme. O que ela me dá, tu não me podes dar”.

Pai e filho romperam de vez o relacionamento. Um ano depois, Francisquinho soube que seu Raimundo, apaixonadíssimo, trouxe Anita para morar com ele, estava pagando todas as despesas dela e já havia doado para ela um automóvel zero quilômetro.

Eis que Francisquinho perdeu o emprego, e está há mais de dois anos procurando outro. Tem passado por grandes dificuldades. Mês passado, o dono do pequeno apartamento em que mora avisou que não suporta mais os meses de aluguel atrasados e vai despejá-lo. Desesperado, tomou coragem e telefonou para seu pai, pedindo ajuda, clamando por socorro. Seu Raimundo não quis prolongar a conversa e disse, implacável: “Há muito tempo, já não te considero meu filho. Além do mais, minha mulher, que estou amando e sendo amado, não quer nem te enxergar, pois eu contei a ela o que tu me falaste a seu respeito e ela disse que eras um canalha, havias tentando de todas as maneiras ter um relacionamento íntimo com ela, e sempre te rejeitou, e tu vieste falar mal dela para mim, mentindo, inventando coisas. Tchau”.

Francisquinho perguntou a um amigo, que era despachante num escritório de advocacia, se não podia pedir na Justiça uma pensão alimentícia para o pai, já que estava no “fundo do poço” e o pai, apesar dos gastos exagerados com Anita, ainda guardava alguma fortuna. O amigo tirou-lhe as esperanças, dissertando, com ar doutoral: “o pai tem, com relação ao filho menor, o poder familiar, outrora chamado pátrio poder, que compreende guarda, sustento e educação do filho. No sustento estão incluídos os alimentos. Mas esse dever de fornecer alimentos cessa com a maioridade do filho, que se dá aos 18 anos, embora haja decisões judiciais que ordenam que o pai continue a pagar os estudos do filho, até que complete 24 anos”. E concluiu: “tu tens 40 anos, és um marmanjo, teu pai tem 70 anos, está idoso. É juridicamente impossível pedires alimentos. Vais perder a questão e ainda pagar custas e despesas judiciais”.

Esse amigo de Francisquinho até que sabe alguma coisa sobre a maté- ria, mas está equivocado. Além desse dever de alimentar o filho menor, que decorre do exercício do poder familiar, há o direito a alimentos, já como direito autônomo, e que é recíproco entre pais e filhos, como prevê o art. 1.696 do Código Civil. No livro “Código Civil Comentado”( vol. XVII, coordenador Álvaro Villaça Azevedo, editora Atlas, São Paulo, página 18), fiz a distinção entre os dois casos, e disse que o direito autônomo de alimentos é direito de outra natureza - que não decorre do poder familiar -, provém de título jurídico diverso, baseia-se em razões diferentes e busca outros efeitos: “O filho, mesmo maior, adulto, qualquer que seja sua idade, concorrendo determinadas circunstâncias, pode pedir alimentos aos pais, se deles necessita para viver de modo compatível com a sua condição social, e se não tem bens suficientes, nem pode prover, por seu trabalho, à própria mantença, dentro, é claro, dos recursos, das possibilidades dos pais”. O assunto é referido nos arts. 1.694, § 1º, e 1.695 do Código Civil. A obrigação de pagar alimentos entre parentes - especialmente se são pais e filhos - funda-se no princípio da solidariedade (Constituição Federal, art. 3º, I). E mesmo o filho já adulto, observado o binômio “necessidade x possibilidade”, pode pleitear alimentos. Edson Luiz Fachin (“Elementos Críticos de Direito de Família”, Renovar, pág. 280), jurista eminentíssimo, Ministro do STF - que, graças a Deus, vai comandar o processo da Lava-Jato, observa, sobre o tema: “A maioridade civil pode não coincidir com a “maioridade econômico-financeira”

07/02/2017

Fonte: Jornal O Liberal - Edição de 04.02.2017

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