Pedro  quer  casar-se  com  Rita

www.soleis.adv.br 

Zeno Veloso
Jurista

 Estou estudando uma situação delicada – e complicada – que vou expor aos meus leitores. 

Trata-se de um pedido de parecer de Pedro Rodrigues, solteiro, que manteve um relacionamento amoroso com Gilda Freire, viúva. Não se tratava de uma convivência “more uxorio”, para usar a linguagem antiga, ou “como se fossem casados”; numa expressão mais moderna, ou, como se fala em Portugal: “em condições análogas às dos cônjuges”.

Em suma, o que havia era um namoro prolongado, em que não existia entre os partícipes maior compromisso, não se apresentava a intenção de constituir uma família. 

Embora as relações não fossem eventuais, mas constantes, numerosas, pela ausência do “animus” de fundar e manter uma entidade familiar, cujos requisitos estão no artigo 1.723 do Código Civil, tudo não passava de amasiamento ou concubinagem.

Pelo menos, assim era sob o ponto de vista de Pedro, embora Gilda pensasse outra coisa.

Eis que chega de Salvador, Bahia, onde vive, para passar férias com Gilda, sua mãe, Rita de Fátima, de esplendorosos 22 anos de idade, jovem estudante de Psicologia. 

Pedro acompanhou Gilda ao aeroporto para receber a visitante, e seu coração disparou quando foi apresentado à monumental e belíssima figura de mulher.

Do choque inicial, o sentimento evoluiu para uma paixão avassaladora, à medida que os dias passavam, as conversas transcorriam, os encontros se sucediam. Num deles, a pedido da mãe da moça, que de nada desconfiava, e ainda foi acometida de uma forte gripe, coitadinha, Pedro levou a visitante a um balneário, não conseguiu resistir, e confessou a sua admiração e a vontade irresistível de iniciar um relacionamento com a futura psicóloga. Rita não pareceu surpresa, nem perturbada. Parece que já havia percebido tudo, e respondeu, séria, mas com um sorriso adorável: “Comigo tem de ser diferente, primeiro, tens de terminar e bem terminado o namoro com a mãinha; segundo, sou moça para casar, e não para ficar passando de mão em mão, namorando com um e outro. E quero casar na Igreja, com véu e grinalda”. 

Estático, o apaixonado Pedro só conseguiu responder: “Sem problemas”.  

A baiana voltou para Salvador e Pedro teve uma dolorosa conversa com a viúva, sua namorada, em que expôs todo o ocorrido, salvo alguns beijinhos que foram trocados com a moça, e notificou-a de que o romance acabava, ali mesmo, até porque, confessou o rapaz, ele estava amando loucamente a filha de Gilda e tinha resolvido formalizar o compromisso e casar com ela, o mais breve que fosse possível.  

Como eu já disse e vocês bem sabem, a paixão sem limites escurece a razão; em alguns casos, o apaixonado devia ser interditado.

A questão jurídica que precisa ser resolvida é se existe impedimento matrimonial para o casamento de Pedro com Rita de Fátima. O artigo 1.521, inciso II, do Código Civil diz que não podem casar os afins em linha reta. A afinidade é o vínculo que se estabelece entre um cônjuge, ou companheiro, e os parentes naturais do outro cônjuge ou companheiro, como prevê o artigo 1.595 do Código Civil. 

Na linha reta, são afins: sogro e nora; sogra e genro; padrasto e enteada; madrasta e enteado. E há um detalhe, a afinidade na linha reta não se extingue com a dissolução do casamento ou da união estável.

Não há ex-sogra ou ex-sogro. Uma sogra é para sempre! No caso que estou contando, se Pedro fosse casado com Gilda, ou se vivesse em união estável com ela, seria padrasto de Rita, ou seja, haveria entre os dois afinidade em linha reta.

A moça seria sua enteada, e o casamento entre eles estaria expressamente proibido, sob pena de nulidade absoluta. Porém, se Pedro é simples namorado de Gilda, não há impedimento legal para o casamento dele com Rita. Há, talvez, uma afronta à moral, mas não estou entrando no aspecto moral da questão.

Que pensa o leitor? Que acha a leitora?

20.01.2010 

Fonte: Publicado no jornal "O Liberal" - 05.01.2008

Início

www.soleis.adv.br            Divulgue este site