Parto anônimo |
Zeno
Veloso
Jurista
Há pouco tempo, na Rede Globo, o programa 'Fantástico' abordou o tema que dá título ao artigo de hoje, e ouviu a opinião de Rodrigo da Cunha Pereira, meu dileto amigo, jurista mineiro, presidente nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), que se manifestou a favor do assunto, e, pois, pela aprovação de um projeto de lei que começou a tramitar na Câmara dos Deputados. O chamado parto anônimo, em que a mulher dá à luz e entrega a criança para uma entidade que vai cuidar de sua adoção, ficando em segredo o nome da mãe, é figura existente na França ('accouchement secret'), regulada na Lei nº 93-22, de 8 de janeiro de 1993, que introduziu o art. 341-1 no Código Civil francês. A prática já existia naquele país antes da edição da lei de 1993, como existe, no Brasil, embora não tenhamos lei alguma sobre a matéria. Em Portugal e no Brasil existiam as 'Rodas dos Expostos', local em que eram entregues as crianças enjeitadas. A 'ama-seca' administrava a Roda, cabendo-lhe entregar os meninos às 'amas de leite' (daqui se originaram as expressões 'ama-seca' e 'ama de leite'). Tais 'Rodas' ou 'Casas dos Expostos', entre 1726 e 1855, existiam no Rio de Janeiro, Paranaguá, Florianópolis, Rio Grande, Vitória, Salvador, São Paulo, Recife, Fortaleza, São Luís e Belém. O
tema é abordado pela querida mestra e amiga, Tânia da Silva Pereira,
filha do saudoso Caio Mário, no excelente livro 'Direito da Criança e do
Adolescente' (editora Renovar, Rio, 2ª ed., 2008). São muitos os casos
de mães que não desejam manter seus filhos, que preferiram fugir do
aborto (ou não tiveram oportunidade ou recursos para fazê-lo), porém,
logo depois do parto, muitas vezes sem darem ao recém-nascido sequer a
primeira amamentação, entregam a criança para outrem. Não é raro, no
interior do Pará, nas zonas mais pobres e carentes, ouvirmos mulheres
dizerem: 'a Maria me doou esse menino'. No 6º Congresso Brasileiro do IBDFAM, realizado no mês de novembro do ano passado, em Belo Horizonte, a professora pernambucana Fabíola Albuquerque, numa palestra aplaudidíssima, abordou, justamente, o parto anônimo, que já é permitido, além da França, na Bélgica, em Luxemburgo, na Itália, na Áustria e em 28 dos 50 estados dos Estados Unidos. Tudo funciona do modo
seguinte: a mulher que não pode ou não quer ter o filho é atendida de
forma gratuita no hospital (ou ambulatório), durante toda a gravidez,
mantendo sua identidade e os dados a seu respeito em segredo, usando nome
fictício. Realizado o parto, a mãe renuncia ao poder familiar sobre o
recém-nascido e o entrega para adoção. Até que seja adotada, a criança
fica sem nome ou identificação definida. O parto anônimo aparece
como uma boa alternativa, garantindo um pré-natal de qualidade, para
evitar os abortos, o abandono de crianças e, no limite, a morte
provocada, portanto dolosa, de bebês. Trata-se de expediente que diminui
o problema mas não acaba com a trágica situação do abandono de crianças,
no Brasil, pois este perverso fato está ligado à pobreza, à incultura,
ao subdesenvolvimento econômico e social. Obviamente, o parto anônimo não
é panacéia, não é a solução de todos os males, entretanto, é preferível
a sua utilização do que o aborto e o infanticídio. Uma questão de direito
constitucional que se pode apresentar é a de que deixar uma criança sem
identificação, sem estabelecer o vínculo jurídico com a mãe, viola
garantia individual. Até que seja integrado numa família substituta, o
recém-nascido fica sem identidade. E, se não for adotada, a criança não
terá nem mãe nem pai. Mas, argumenta-se: isso, afinal, não é melhor do
que não ter tido a chance de nascer, ou de ter sido assassinado logo
depois do parto, ou abandonado na rua ou jogado em latas de lixo? ... Assim como ocorre nos
casos de inseminação artificial, heteróloga, quando existe o doador do
esperma, no parto anônimo, o vínculo biológico é mantido em segredo.
Mas está se desenvolvendo na Europa um movimento para que as pessoas
tenham acesso a seus dados genéticos, para saber sua real identidade,
origem, ascendência. Na França, há a questão largamente noticiada, na
mídia, de Pascale Odièvre, de 37 anos, e que há cinco anos luta
desesperadamente nos tribunais para ter o direito de saber quem é sua
verdadeira mãe. Tu já tinhas ouvido falar em parto anônimo? Procurei, neste artigo, divulgar um tema quase desconhecido, do qual pouco se tem tratado e é de extrema importância. Precisamos meditar sobre o assunto, colocá-lo numa balança, verificando seus prós e contras. 27.11.2009 |
Fonte: Publicado no jornal "O Liberal" - 02.02.2008 |
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