Paris Hilton só herdará U$ 5 milhões 

www.soleis.adv.br 

ZENO VELOSO
Jurista 

                       No Congresso Brasileiro de Direito de Família, patrocinado pelo Ibdfam, que ocorreu em novembro, na cidade de Belo Horizonte, fui designado para fazer uma palestra sob o título 'Limitações à faculdade de testar’’. Apesar de este tema estar inserido nas sucessões, tem base e repercussão no Direito de Família.

No ordenamento jurídico brasileiro, adota-se o princípio da liberdade de testar, que, porém, não é irrestringida, absoluta. Se o indivíduo possui herdeiros necessários, que são os descendentes, os ascendentes e o cônjuge sobrevivente, só pode dispor por testamento, portanto, para depois de sua morte, da metade de seus bens (parte disponível), pois a outra metade representa a legítima, a quota reservatária, a porção de bens da herança que caberá obrigatoriamente a tais herdeiros. Salvo nos casos de exclusão da herança ou de deserdação, que são excepcionais, os herdeiros necessários - ou reservatários, obrigatórios, forçosos - têm pleno direito à legítima do falecido, que é intangível, não pode ser diminuída. Quem quiser conferir, consulte os artigos 1.786; 1.789; 1.814; 1.845; 1.846; 1.857, § 1º; 1.961, do Código Civil.

A existência da legítima, isto é, da parte da herança que caberá obrigatoriamente aos herdeiros necessários, representa, sem dúvida, uma limitação ou restrição ao direito de testar e, segundo Ripert-Boulanger, significa um compromisso entre o direito individual e o direito familiar. Seguindo o direito romano, adotam esse sistema os países continentais europeus: França, Bélgica, Portugal, Itália, Espanha, Suíça, Alemanha e os mais expressivos sistemas sul-americanos: Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai, Chile, Peru.

De outro lado, numa concepção diametralmente oposta, temos o sistema anglo-saxão (Inglaterra, Estado Unidos, principalmente) que estabelece a plena liberdade de testar, o que significa que o titular do patrimônio, o dono dos bens, mesmo que tenha filhos, pais e cônjuge, pode deixar toda a herança para quem bem quiser e entender. Nesse sistema, portanto, não há a figura do herdeiro necessário, nem da legítima, e a única restrição ao testador reside em ter de prever uma razoável quantia para pagar alimentos a seus parentes próximos e cônjuge, se disso precisarem.

A professora carioca Ana Luísa Nevares, orientanda de Gustavo Tepedino, vai apresentar sua tese de doutoramento justamente a respeito da autonomia privada nos testamentos. Provavelmente, vai falar sobre essas duas vertentes da matéria. Cada sistema tem suas virtudes e seus defeitos, como tudo nesse mundo.

Agora mesmo, a Imprensa internacional noticia o testamento do magnata Barron Hilton, dono de bilhões de dólares. Ele deixou 97% de sua fortuna para obras de caridade. Só a Fundação Conrad Hilton herdará U$ 2,3 bilhões, para socorrer sem-tetos e beneficiar projetos sociais por vários países. E Barron, sob a ótica do direito brasileiro, por exemplo, tendo herdeiros necessários, não poderia dispor com tamanha liberdade de seus bens. Sua neta, a bonita e controvertida Paris Hilton, ao contrário dos U$ 100 milhões que achava que iria herdar, foi beneficiada no testamento apenas com U$ 5 milhões, coitadinha.

20.06.2008 

Fonte: Jornal "O Liberal" - edição 12.01.2008

Início

www.soleis.adv.br            Divulgue este site