Até quando o pai paga alimentos? |
Zeno Veloso
jurista
O
casamento de Romualdo e Margareth não chegou ao terceiro aniversário, e
a separação do casal foi escandalosa. O marido acusou a mulher de adultério,
juntando gravações, fotos, cartas, enfim, provas exuberantes da
prevaricação da esposa. Esta, por sua vez, jurou inocência (como, aliás,
geralmente acontece), alegou que o marido era beberrão, violento, mau-caráter,
apresentando, igualmente, provas de agressões físicas que lhe foram
infligidas. Com receio de que a questão se eternizasse e as despesas se
multiplicassem, houve acordo para transformar a separação litigiosa em
amigável, e o juiz homologou a petição. Os bens foram divididos
igualmente, a guarda da filha pequenina, de três anos, ficou com a mãe,
garantindo ao pai o direito de visitas, não houve fixação de alimentos
para a mulher, pois esta trabalhava, podia sustentar-se por si própria, e
o mesmo ocorria com o marido. Este, porém, comprometeu-se a pagar à
filha pensão equivalente a 30% de seu vencimento líquido. Tudo
transcorreu normalmente. Os anos se passaram e Romualdo cumpria
religiosamente com o pagamento de alimentos, embora tivesse dispensado a
visita da filha. Na verdade, não queria encontrá-la, nem vê-la, pois
recebera uma carta anônima, com abundância de informações e detalhes,
denunciando que a criança não era filha dele, mas de Nelsinho, que tinha
mantido relação sexual com sua ex-mulher. Eis
que Nicole - este é o nome da menina - completou no começo de 2008 a
idade de 18 anos e Romualdo, que deseja livrar-se do pensionamento,
recebeu informações conflitantes sobre a permanência de sua obrigação
de pagar alimentos à filha. Uma pessoa lhe garantiu que a mocinha tinha
alcançado a maioridade civil e, automaticamente, cessava o dever do pai
em pagar-lhe alimentos. Outra, afirmou que a obrigação alimentícia
continuava, pois a menina havia passado no vestibular e, enquanto
estudasse no curso universitário, pelo menos até que completasse 24
anos, continuava com o direito de receber alimentos. Em
Direito, as coisas não são tão fáceis, como numa operação aritmética.
Há nuances, detalhes, circunstâncias. Neste campo, dois mais dois nem
sempre são quatro. Quase em todas as hipóteses, a melhor resposta é
'depende'. Há que se fazer, preliminarmente, uma distinção, que é
fundamental, entre o dever de sustento que têm os pais com relação aos
filhos menores e a obrigação alimentícia, em sentido estrito, e eu
desenvolvi esta matéria no livro 'Código Civil comentado', editora
Atlas, São Paulo, volume XVII, página 17. Durante a menoridade, os
filhos estão sujeitos ao poder familiar dos pais, na verdade, um complexo
de direitos e deveres, um poder-dever, e, dentre outras obrigações, eles
têm de sustentar seus filhos, dirigir-lhes a criação e educação, tê-los
em sua companhia e guarda. Sustento, guarda e educação dos filhos
menores são deveres inerentes ao poder familiar, estão compreendidos
nele. O poder familiar extingue-se quando o filho completa a maioridade -
dezoito anos - e, regra geral, cessam aqueles deveres e obrigações que
eram contidos no poder familiar. Mas a melhor doutrina e a jurisprudência
amplamente dominante, com base na eqüidade e no princípio da
solidariedade familiar, vem estabelecendo que, mesmo com a cessação do
dever geral de sustento, pelo fato de o filho ter chegado à maioridade,
persiste a obrigação alimentar dos pais, se o filho não tem bens, nem
rendas para cobrir, por si próprio, suas necessidades e, especialmente,
se não tem meios para atender às despesas com seus estudos, com sua
educação, com sua formação profissional. Muitas decisões indicam que
o dever de pagar alimentos, nessas circunstâncias, estende-se até que o
filho complete 24 anos de idade. Todavia, muita atenção: falei, até agora, do dever de alimentos inerente ao poder familiar dos pais, portanto, durante a menoridade do filho. Mas há o direito a alimentos como direito autônomo, que é recíproco entre pais e filhos, e não depende de o filho ser menor. O filho, mesmo maior, adulto, qualquer que seja sua idade, concorrendo determinadas circunstâncias, pode pedir alimentos aos pais, se deles necessita para viver de modo compatível com sua condição social, e não tem bens suficientes, nem pode prover, por seu trabalho, à própria mantença, dentro, é claro, das possibilidades dos pais, tudo conforme os arts. 1.694 e 1.695 do Código Civil. Conheço um caso de filho, com 52 anos de idade, que ingressou com ação judicial requerendo alimentos, de sua mãe, que tinha, na ocasião, 71 anos de idade. 27.02.2008 |
Fonte: Publicado no Jornal "O Liberal", edição de 09.02.2008 |
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