Letícia (cujo verdadeiro nome é outro) escreveu-me dizendo que ficou
alarmada ao ler uma reportagem de revista nacional, em que foi analisado o
novo Código Civil e as soluções que ele trouxe no direito sucessório.
Disse a leitora que se casou em segundas núpcias em 1998, fazendo questão
de celebrar um pacto antenupcial de absoluta e completa separação de
bens, pois tinha sido meeira do primeiro esposo, possuindo vários imóveis
e não queria, em caso algum, que o seu patrimônio se comunicasse ou
misturasse com o do novo marido, até porque havia três filhos do
primeiro matrimônio, a quem ela desejava preservar e garantir os mesmos
bens para o futuro.
Eis que a aludida reportagem informa que, com a entrada em vigor do novo Código
Civil, em janeiro de 2003, o marido de Letícia será herdeiro dela,
irremediavelmente.
Esclareceu a leitora que antes de ser casar pela segunda vez, seu advogado
informou que ela podia ficar descansada, seu patrimônio não se
comunicaria com o do segundo marido e nem ele seria herdeiro necessário
dela.
Começando a responder, relembro que já escrevi sobre este assunto,
chamando a atenção para as novidades no direito sucessório dos cônjuges
trazidas pelo novo Código Civil. Também li a reportagem da Revista
Veja, citada por Letícia, e sei que, assim como ela, muita gente está
preocupada.
Se Letícia falecer antes de seu marido, os bens que ela deixar (ou
seja, a sua herança) serão divididos entre os seus três filhos e o
marido (que nessa altura já será viúvo), nos termos do artigo 1.829, I,
do CC: “A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: I - aos
descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se
casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da
separação obrigatória de bens (artigo 1.640, parágrafo único); ou se,
no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado
bens particulares”.
O advogado de Letícia estava certo quando orientou-a, em 1998, época em
que vigorava o Código Civil anterior, que, entretanto, foi revogado. E a
respeito das sucessões que tenham sido abertas ou que se venham a abrir a
partir de 11 de janeiro de 2003, aplicam-se as regras novas e não as
antigas. O cônjuge, inclusive, numa das mais importantes mudanças
trazidas pelo Código Civil de 2002, que entrou em vigor em 2003, passou a
ser considerado herdeiro necessário, isto é, obrigatório,
reservatário, como se diz em Portugal. Assim sendo, o cônjuge
sobrevivente (viúvo ou viúva) tem direito a uma quota da herança e
disto não pode ser afastado, porque esse direito decorre da lei,
tratando-se de um princípio de ordem pública. No caso que está sendo
examinado, a herança de Letícia será dividida, em partes iguais, entre
o viúvo e os três filhos (uma quarta parte da herança para cada um), na
forma do artigo 1.832 do Código Civil. O viúvo, pois, concorrerá com os
filhos da falecida.
O máximo que Letícia pode fazer é elaborar um testamento dizendo que a
sua metade disponível ficará para os três filhos, e com essa
providência ela conseguirá diminuir a quota, ou parte ou fração que
caberá ao cônjuge sobrevivente. Assim, por exemplo, se todos os bens de
Letícia corresponderem a 80.000, a metade disponível (40.000) caberá
aos três filhos. E os outros 40.000 serão distribuídos entre os três
filhos e o cônjuge sobrevivente.
10.07.2005 |