Nora é herdeira?

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Zeno Veloso
Jurista

 

  Uma leitora, que diz ser assídua, apresentou por escrito um problema que está enfrentando, e pede opinião. Explica que se casou há 10 anos, pelo regime da comunhão parcial de bens, que é o regime legal supletivo em nosso país. O casal teve dois filhos, ainda menores. Mas, passados alguns anos, ocorreu o divórcio.

 Alguém veio alertar a nossa consulente que, na vigência de seu casamento, o pai do marido faleceu, sem testamento, deixando vários imóveis.

Até hoje não foi aberto o inventário. E reside aí a questão apresentada por nossa leitora: “no meu entender, os imóveis que vierem a caber, na partilha, a meu ex-marido, constituem bens adquiridos após a convivência, durante a constância da sociedade conjugal. E, como eu ainda não havia me separado, quando meu sogro faleceu, tenho direito a uma parte dos bens da herança, ou só os meus filhos?”

Para dar a resposta, tenho que relembrar algumas regras do regime da comunhão parcial de bens que, em outras oportunidades, já apresentei neste espaço, dado o interesse que o assunto desperta e considerando, ainda, que mais de 90% dos casais brasileiros têm o casamento submetido a tal regime.


Basicamente, nesse regime, excluem-se da comunhão, isto é, não se comunicam, os bens que cada cônjuge possuir ao casar. Se o marido já tinha um apartamento e a mulher já era dona de um automóvel, cada um é dono exclusivo desses respectivos bens. Todavia, comunicam-se os bens que sobrevierem ao casal, na constância do casamento, ou seja, os bens que forem adquiridos na constância da sociedade conjugal entram na comunhão, ainda que o bem conste apenas em nome de um dos cônjuges.

Exemplificando: se, na constância do casamento, o marido compra um apartamento, esse apartamento entra na comunhão; não é só dele, mas do casal, mesmo que na escritura apareça somente o nome do marido, e o mesmo aconteceria se a situação ocorresse com a esposa. Mas não são todos os bens que entram na comunhão, nesse regime, ainda que adquiridos na constância do casamento.

Excluem-se da comunhão, por exemplo, os bens que cada cônjuge adquirir não a título oneroso (compra e venda, por exemplo), mas a título gratuito (doação, sucessão hereditária). O artigo 1.659 do Código Civil prevê a hipótese e indica, ainda, outros casos de incomunicabilidade. Se Maria e João são casados sob o regime da comunhão parcial de bens, e o pai de Maria faz doação de um apartamento para ela, esse bem, embora adquirido na constância do casamento, não se comunica, e é de propriedade exclusiva de Maria. A mesma solução será dada quando a aquisição do bem se deu pelo direito sucessório, infelizmente para minha prezada consulente.

Os bens havidos por herança, mesmo na constância da sociedade conjugal, sendo o regime do casamento o da comunhão parcial de bens, não se comunicam. Ficam na propriedade exclusiva da mulher ou do marido que os tiver recebido por herança. Se o regime fosse o da comunhão universal, aí, sim, o cônjuge do herdeiro é dono da metade do que este herdar. No caso apresentado, porém, a esposa não tem direito algum sobre os bens que seu marido recebeu por sucessão do sogro, que faleceu na constância do casamento.

E a consulente indaga se só os filhos dela terão direito a tais bens. Nem os filhos, respondo, pois esses são netos do falecido, e os herdeiros são os filhos do que morreu (inclusive o ex-marido de minha leitora) e não os netos. Esses últimos vão herdar dos pais, quando falecerem. Antes dos netos, na ordem da vocação hereditária, estão os filhos, como estatui o artigo 1.833 do Código Civil.

Entretanto, alguém pode fazer um testamento, deixando alguma coisa para a esposa do filho, casada sob o regime da comunhão parcial. Neste caso ela vai ser herdeira do sogro, para cumprir a disposição de última vontade dele. Mas não foi o que ocorreu com a minha querida leitora. O finado não se lembrou de fazer um testamento, nomeando-a herdeira ou legatária.  

10.12.2004 

Fonte: Jornal "O Liberal" - Belém - Pará - Edição de 23.10.2004

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