Reconhecimento de filiação do nascituro

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ZENO VELOSO
Jurista 

                      O pai de Maria do Rosário logo desconfiou do novo namorado que ela arrumou (Rodolpho, assim com 'p' e 'h'), um rapaz metido a besta, excessivamente bem vestido, exageradamente perfumado e de cabeça vazia. Não falava em estudo e trabalho. Certa vez, a irmã de Rosário perguntou a ele que profissão queria ter, no futuro, e o cínico, na bucha: 'herdeiro'. E é 'muita grana', completou.

Quanto mais advertida, alertada, a menina ficava mais apaixonada pelo sujeito. Quem está nesse estágio de envolvimento e paixão, tenho dito e repetido, não pensa, não raciocina, não age, nem reage, funciona como um autômato. Enfim, na brincadeira, mas falando sério: que bom estar apaixonado, porém, que perigo estar assim. O perdidamente apaixonado precisava ser interditado...

Eis que chegou o dia fatídico (e praticamente inevitável): entre lágrimas e soluços, Rosário avisou que o galã tinha argumentado que fazer amor com camisinha era 'coisa ultrapassada, fora de moda', e 'quem ama não usa preservativo', e a moça, coitada, acreditou nisso piamente, perdidamente. Estava grávida de três meses e abandonada. O rapaz alegou que ela tinha dado o 'golpe da barriga' e desapareceu, terminando o namoro, pois o que ele mais queria, já tinha tido, com a rapidez, a facilidade - e alguma burrice das meninas! - desses tempos modernos.

Após muita negociação, que incluiu uma ameaça de morte (e não estou aprovando isso, de jeito nenhum), o ex-namorado de Maria do Rosário, já acompanhado de seus genitores (que criticaram o filho por se estar metendo com aquela 'gentinha'), fizeram um acordo: assim que o bebê nascesse, daqui a uns seis meses, Rodolpho iria a um tabelião e faria o devido reconhecimento voluntário de filiação, e apenas nessa época, pois tinham recebido a orientação de que somente depois do nascimento da criança é que o reconhecimento poderia ser realizado, uma vez que ocorrido o nascimento com vida é que existe um ser humano dotado de personalidade civil.

Logo no mês seguinte, a irmã de Rosarinho estava numa balada e soube por um amigo, que a paquerava (ainda se usa essa expressão?...), da tristeza da nova namorada daquele nosso galã, o Rodolpho, e a garota estava inconsolável porque o rapaz estava se preparando para viajar com destino a Chicago, nos Estados Unidos, e lá iria passar um ano, vivendo com uma família. Iria, agora, ter 'pais americanos', o que não deixa de ser chique...

O pai de Rosarinho procurou um advogado estudioso e sério, Rodrigo Aquino, que acaba de ingressar no Ministério Público - com certeza, vai ter uma carreira brilhante - e recebeu a seguinte orientação: realmente, pelo art. 2º, primeira parte, do Código Civil: 'A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida'; entretanto, há a segunda parte deste art. 2º, que afirma: 'mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro', pelo que o reconhecimento da filiação pode ser realizado, desde logo, ficando na dependência, para sua eficácia, do nascimento com vida. Além do referido art. 2º, segunda parte, a matéria é regulada expressamente no art. 1.609, parágrafo único, do Código Civil: 'O reconhecimento pode proceder o nascimento do filho ou ser posterior ao seu falecimento, se ele deixou descendentes'. Abordo a questão em meu livro 'Direito Brasileiro da Filiação e da Paternidade' (editora Malheiros, São Paulo, página 96).

O pai de Rosarinho me contou o que estava acontecendo e eu confirmei o que o advogado dele tinha instruído. Ansioso, não conseguindo esconder a emoção, ele perguntou: 'E se o canalha não quiser reconhecer o filho dele, antes de se mudar para o estrangeiro?'. Eu expliquei: a mãe da criança em nome do filho que está concebido e por nascer, pode, imediatamente, ingressar em juízo, com uma ação de investigação de paternidade.

09.02.2009 

Fonte: Jornal "O Liberal" - edição 18.10.2008

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