Nascituro   é   herdeiro  

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Zeno Veloso
Jurista

   Lucimar Ramos é nascida em Pinheiro, no Maranhão, e sempre se gabou de ser conterrânea de Sarney, que, segundo ela, nasceu com outro nome, José de Ribamar Ferreira de Araújo Costa. Sarney era apelido que, pelo uso prolongado, acabou virando sobrenome. Mas esta é outra história, eventualmente para um artigo futuro. Hoje, vou abordar uma questão de direito sucessório, que está preocupando a maranhense Lucimar: ela foi casada sob o regime da separação absoluta de bens com João Rufino, que morreu no mês de setembro, num acidente de trânsito, quando ia de Imperatriz para São Luís.

Agora, no comecinho de novembro, após longa enfermidade, morreu seu Antônio, pai de João Rufino, deixando viúva e três filhos. Estes, usando da faculdade concedida pela nova Lei 11.441/2007, que prevê o inventário e a partilha por escritura pública, resolveram o problema da herança em poucos dias. Depois de pagarem o imposto de transmissão mortis causa, dividiram entre eles toda a fortuna deixada por seu Antônio. A viúva ficou com a metade dos bens e os três filhos que sobreviveram ao pai com a outra metade.

Lucimar chegou a questionar junto à sogra e aos cunhados se não teria algum direito nessa herança, representando seu marido, sendo-lhe explicado que João Rufino morreu antes que o pai, não tendo, portanto, direito algum à sucessão, e nem podendo legalmente a viúva dele ficar em seu lugar. Prometeram, todavia, muito caridosamente, que jamais deixariam de ajudar a nora e cunhada e, com certeza, iriam amparar também - pagando seus estudos, por exemplo - o filho que Lucimar, grávida de quatro meses, está esperando. Fui consultado sobre o assunto e vou tirar, inicialmente, as esperanças de Lucimar. De fato, ela não pode se apresentar na herança do sogro representando o seu marido. Isso, não!

Há, porém, um detalhe importantíssimo, que vai alterar completamente a solução até agora dada ao problema: é que o pai de João Rufino morreu quando este já tinha falecido antes, mas a esposa de João Rufino está grávida, e o filho é do marido, até por presunção legal (Código Civil, art. 1.597).

Por coincidência, abordei este tema, há duas semanas, no Congresso Brasileiro de Direito de Família, em Belo Horizonte, que, por sinal, foi um grande sucesso, com quase 2 mil participantes, dezenas deles aqui de Belém, e pretendo voltar a falar sobre o mesmo, desta vez comparando as soluções brasileira e portuguesa, numa palestra que farei em janeiro de 2008, a convite de meu nobre amigo e mestre, catedrático Diogo Leite de Campos, na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.

O art. 1.798, do Código Civil, dispõe: 'Legitimam-se a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão'. Este é um princípio adotado na generalidade das legislações, como por exemplo, no art. 2.033 do Código Civil português, art. 906 do CC francês, art. 462 do CC italiano, art. 3.290 do CC argentino, art. 1.923 do BGB alemão. A regra geral, portanto, é a da coexistência do titular da herança e de seu sucessor. O herdeiro, até por imperativo lógico, precisa existir quando morre o hereditando, tem de sobreviver ao falecido. Na sucessão legítima, quem não estiver concebido até a data da morte do autor da herança, não está legitimado a suceder. Na sucessão testamentária, porém, pode haver o chamamento de pessoa futura, de alguém que ainda não foi concebido (Código Civil, art. 1.799).

A lei confere capacidade sucessória (legitimação, como diz o código) para quem ainda não nasceu, mas já está concebido. É o nascituro, a quem o Código Civil dedica o art. 2º, segunda parte, ao afirmar que a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro; portanto, o nascituro já é herdeiro. No caso acima referido, a partilha realizada por escritura pública omitiu um herdeiro, que é o nascituro de João Rufino, filho pré-morto do titular da herança, seu Antônio.

Concluindo: Lucimar, em nome do nascituro, pode imediatamente contestar a partilha feita por escritura pública. É preciso resguardar os bens que caberão a seu filho, se este nascer com vida. Ele será herdeiro do avó concretamente, representando o pai (João Rufino), na forma dos arts. 1.851, 1.852 e 1.854 do Código Civil. Tudo terá de ser feito, novamente. E a nova partilha da herança, já considerando a existência de um menor, neto do de cujus, não poderá ser feita consensualmente, por escritura pública. A divisão da herança, com a inclusão do filho de João Rufino, tem de ser realizada em juízo, inexoravelmente, com a participação do membro do Ministério Público e tudo o mais que prevê o Código de Processo Civil.

10.01.2008

Fonte:    Jornal "O Liberal" - 25.11.2007

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