NAMORO NÃO GERA DIREITO PATRIMONIAL
www.soleis.adv.br 

ZENO  VELOSO
Jurista
 

Fiz uma palestra a respeito da união estável, seus elementos constitutivos etc., e pediram que eu estabelecesse a distinção entre a mesma e um namoro prolongado, chamado hoje namoro qualificado. 

É matéria que já abordei nesta coluna, da qual tenho tratado em outros escritos, em simpósios, apresenta grande interesse prático e, por sua atualidade, volto a cuidar do tema. 

Relembre-se que a união estável entre o homem e a mulher foi reconhecida pela própria Constituição Federal (art.226, § 3º) como entidade familiar, devendo receber a proteção do Estado, como, do mesmo modo, as outras entidades familiares, que, entre elas não deve existir qualquer discriminação. 

A legislação ordinária, infraconstitucional - no caso, o Código Civil, art. 1.723, “caput” - indica os requisitos para que se configure uma entidade dessa natureza, estatuindo: “É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”.

Analisando o aludido art. 1.723, vemos, inicialmente, que a convivência não pode ser secreta, escondida, dissimulada, como a do já idoso César com a jovem e insinuante secretária Aline, personagens da novela global “Amor à Vida”. Diante de situações parecidas com a desse César, tenho afirmado que o apaixonado tem de ser interditado. Na verdadeira união estável, a convivência deve ser pública, contínua, duradoura, embora o Código não tenha fixado um prazo mínimo para o seu reconhecimento.

O tempo, que é sempre necessário para a existência de uma união estável, deve ser aferido e verificado no caso concreto, diante das circunstâncias.

Além desses requisitos externos, objetivos, que se revelam a todos e são percebidos, facilmente, a lei exige outro, interior, subjetivo, de caráter espiritual e moral: a intenção, a vontade de ambos e de cada um dos conviventes constituir uma família.

Como entidade familiar que é, tão importante e digna como a família constituída pelo casamento, a união estável apresenta muitos e graves efeitos jurídicos, de ordem pessoal e patrimonial, inclusive, com referência a alimentos, divisão de bens, sucessão hereditária.

Isso tudo se estende aos relacionamentos homoafetivos, conforme a pacífica jurisprudência nacional, contando a dos tribunais superiores (STF e STJ).

Aí é que surge a questão do namoro, e a confusão que pode se estabelecer entre as duas figuras. 

Falo do namoro com suas conotações modernas, de acordo com os costumes deste século XXI, dada a flexibilização dos valores que, na maioria dos casos, envolve um relacionamento íntimo, a frequência da casa de um dos namorados pelo outro, passando juntos fins de semana, viajando, hospedando-se nos mesmos quartos de hotéis, participando de solenidades, festas e outros compromissos sociais. Enfim, pode haver a aparência externa de uma entidade familiar que, realmente, não é, pois os parceiros só querem namorar, não desejam firmar um compromisso maior, mais profundo, a não ser aquele que estão vivenciando, uma relação amorosa que se esgota em si própria, sem nenhum intuito de produzir outros efeitos jurídicos, consequências patrimoniais, resultados econômicos. 

Nada disso! O namoro, só por ser namoro, por mais longo que seja, não gera qualquer direito patrimonial.

Então, para prevenir situações constrangedoras e delicadas, evitar explorações, golpes, pedidos imotivados de pensão alimentícia, divisão de bens, participação na herança, e deixar o relacionamento bem claro e seguro, definindo criteriosamente os seus limites, expondo claramente a situação em que os dois se acham, os objetivos que colimam, sempre defendi a possibilidade de os figurantes celebrarem um contrato de namoro, que expresse o conteúdo, a extensão, o nível do vínculo afetivo que vivenciam. Até pelo princípio da liberdade de contratar, da autonomia da vontade, da boa-fé, esse contrato é juridicamente possível, e pode ser conveniente, útil. (Ver Código Civil, art. 104, 421 e 422 do Código Civil).

Como falei desses namoros modernos, conheço um caso interessante: preocupada com o fato de a filha passar longas noites fora de casa (e nessas horas, o celular sempre fica desligado!), a mãe resolveu convencer o marido a permitir que a menina (uma adolescente de 17 anos) trouxesse o rapaz para casa e com ele ficasse namorando no quarto. Embora fosse de outra geração e, além disso, pessoa muito conservadora, diante dos argumentos e por uma questão de segurança, o pai acabou aquiescendo, mas com muito constrangimento. Um dia, acordou bem cedinho e foi beber água na cozinha.

Surpreso, vê o namorado da filha diante da geladeira aberta, servindo-se de um copo de refresco, e usando apenas uma minúscula cueca. Revoltado, o pai gritou: “Em cuecas não, meu filho!

Volte já para o quarto da menina e só saia de lá vestido decentemente. Em cuecas, jamais”.           

06.11.2015 

Fonte: Publicado no "O Liberal"  - Edição 07.09.2013

Início

www.soleis.adv.br            Divulgue este site