MUDANÇA DE REGIME DE BENS 

www.soleis.adv.br 

Zeno Veloso
Jurista

             

     O Direito de Família, no novo Código Civil, foi dividido em dois Títulos: um para reger o direito pessoal, e outro para disciplinar o direito patrimonial de família. Esta distinção devemos ao professor Clóvis do Couto e Silva, mestre gaúcho, prematuramente falecido.

     O regime de bens integra o direito patrimonial de família, e representa o conjunto de regras jurídicas que disciplinam as relações econômicas entre marido e mulher. É o estatuto patrimonial do matrimônio, regulando os interesses pecuniários dos esposos, entre si, e com terceiros. O casamento, a par de estabelecer uma comunidade de vida, com as respectivas implicações pessoais, morais, espirituais, representa uma associação financeira. Por sua natureza, conteúdo, objetivos, o matrimônio desencadeia muitos efeitos econômicos. O regime de bens é uma conseqüência inevitável do casamento. Não há matrimônio sem regime patrimonial.

     Mesmo quando os nubentes não celebram pacto antenupcial, estabelecendo o regime de bens que vai vigorar durante o casamento, haverá um regime, pois a lei resolve que, nesse caso, o regime de bens será o da comunhão parcial. Em alguns casos, a lei impõe o regime da separação, como na hipótese de o nubente ter mais de sessenta anos.

     O Código Civil anterior, art. 230, dizia que o regime de bens começava a vigorar com a realização do casamento, e era irrevogável. Celebrado o casamento, estabelecia-se um regime patrimonial definitivo, imodificável, imutável.

     Na Alemanha, na Áustria, na Suíça, as convenções sobre regimes de bens podem ser celebradas antes ou depois do casamento, e esta sempre foi a orientação seguida no Direito germânico.

     Nos países filiados ao sistema latino, preferiu-se, ao contrário, consagrar a regra da imutabilidade ou da irrevogabilidade do regime de bens. Mas isto mudou, nos últimos tempos. Bélgica, Itália, Holanda, Espanha, além da França (que era a campeã da concepção da irrevogabilidade dos pactos), alteraram sua legislação, admitindo a possibilidade de ser trocado o regime de bens, após o casamento, embora a alteração só possa ser feita mediante controle. Na América do Sul, o Código Civil do Peru e o do Paraguai, de 1984 e 1987, respectivamente, admitem, também, a alteração do regime de bens do casamento.

     No Brasil, já o Anteprojeto de Código Civil, de 1963, elaborado pelo professor Orlando Gomes, previa, no art. 167, que, ressalvados os direitos de terceiros, o regime de bens do casamento, exceto o de separação cogente ou obrigatória, poderia ser modificado em qualquer tempo, a requerimento dos cônjuges, havendo decisão judicial permissiva, que seria transcrita no registro próprio. Mestre Orlando ponderava: “Tão inconveniente é a imutabilidade absoluta como a variabilidade incondicionada”.

     O novo Código Civil brasileiro abandonou o antigo e rígido princípio da imutabilidade do regime de bens, determinando, quanto à matéria, uma transformação notável. No livro “Direito de Família Contemporâneo” (obra coletiva, editora Del Rey, Belo Horizonte, 1997, p. 92), defendi a tese de que devia ser abolido em nosso País o princípio da irrevogabilidade do regime de bens, admitindo-se, com alguns critérios e ressalvas, a modificação do estatuto patrimonial dos cônjuges.

     O art. 1.639 do Código Civil de 2002, depois de afirmar que é lícito aos nubentes, antes de celebrado o casamento, estipular, quanto aos seus bens, o que lhes aprouver, e de estabelecer que o regime de bens começa a vigorar desde a data do casamento, prevê, no parágrafo 2º: “É admissível alteração do regime de bens, mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros”.

     Acho boa a solução dada pelo legislador. Observe-se que a mudança do regime não pode ser feita unilateralmente, nem pelo só e puro arbítrio dos cônjuges. Ao contrário, a alteração do estatuto patrimonial do casal precisa obedecer a vários requisitos: ambos os cônjuges têm de apresentar o pedido, motivando-o, justificando-o, e o juiz vai apurar a procedência das razões invocadas. A mudança do regime, afinal, depende da autorização judicial e os direitos de terceiros são resguardados, ressalvados.

     Surge uma questão: a mudança do regime de bens, nessas condições, só está autorizada aos cônjuges cujo casamento foi realizado depois da entrada em vigor do novo Código Civil, ou podem também modificar o regime de bens os que já estavam casados sob a égide do Código Civil de 1916?

     É um problema de difícil solução e já há autores que assumem posicionamentos diferentes. Aliás, tudo o que se relaciona com o direito intertemporal é angustiante e complexo.

     Sem desenvolver o tema, até porque o espaço está acabando, vou adiantar o meu parecer: acho que a mudança do regime de bens, observados os requisitos do art. 1.639, parágrafo 2º, pode ser promovida judicialmente pelos que estavam casados sob o regime do Código Civil de 1916. Neste sentido, já existem decisões no Estado de São Paulo.

10.09.2004 

Fonte: Jornal "O Liberal" - Pará -  26.07.2003

Início

www.soleis.adv.br            Divulgue este site