Menor emancipado quer dirigir

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Zeno Veloso
Jurista

 

     O Joãozinho sempre foi um garoto esperto, desinibido. Os pais, com algum exagero, diziam que ele era superdotado. Aliás, nem sei se é motivo de grande alegria ter um filho superdotado. Deve ser tão chato ser super-homem! Mas o garoto bobo não era. Aos 16 anos, já freqüentava o escritório do genitor, empresário de construção civil famoso, e participava das reuniões, intervia nos negócios, palpitava nos projetos. E, numa conversa, o próprio adolescente perguntou, como quem afirma ou propõe: 'Ô pai, tu sabes que o filho, se já tiver 16 anos, pode ser emancipado'?

Consultado, um advogado explicou que pelo Código Civil brasileiro, art. 5°, caput, a menoridade cessa aos 18 anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil. No Código Civil anterior, a maioridade era alcançada aos 21 anos; agora, aos 18. Em regra, quem alcança a maioridade torna-se civilmente capaz. Porém, o parágrafo único do art. 5° do Código Civil vigente indica alguns casos em que cessará para os menores a incapacidade. Trata-se da emancipação, em que a pessoa ainda é menor de idade, mas já é capaz. O casamento é um desses casos; o outro é a emancipação outorgada pelos próprios pais, através de escritura pública e independentemente de homologação judicial. Se o filho já tem 16 anos, pode ser emancipado. E isso aconteceu com João.

A emancipação é irrevogável. Não pode ocorrer depois o arrependimento dos pais e a revogação da escritura. O menor emancipado se torna capaz, definitivamente, para o resto da vida, a não ser que sobrevenha alguma razão de incapacidade, como seria, por exemplo, enfermidade mental que obstruísse o discernimento.

Mas a emancipação, que é instituto de direito civil, não tem efeito imediato e completo no direito penal e nem na legislação de trânsito. Cada ramo jurídico tem o seu domínio. A pessoa emancipada é capaz, mas ainda é menor, ainda não completou 18 anos. O art. 228 da Constituição Federal diz que são penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial. A mesma idade é requerida no art. 27 do Código Penal, que, neste ponto, foi 'constitucionalizado'. Assim, pela Constituição e pela Lei Penal, quando a pessoa ainda não completou 18 anos é irresponsável criminalmente, é considerado inimputável, e a favor dela existe a presunção, que é absoluta (juris et de jure), de que não tem desenvolvimento, maturidade ou capacidade: (no sentido penal da expressão) para entender e compreender o caráter ilícito da conduta. Há muito que se pretende baixar essa idade para 16 anos, mas as tentativas têm sido infrutíferas, embora o tema volte a ocupar o noticiário, na mídia, toda vez que um ato que vitime pessoa importante ou que se revista de excepcional crueldade é praticado por um adolescente.

Quanto à carteira de habilitação, que possibilitaria legalmente a condução de veículos, no caso, de um reluzente automóvel importado que ganhou de papai, o jovem João não pode ter. E isso foi dito ao pai dele pelo advogado Célio Jorge, antigo e eficiente funcionário do Detran. Realmente, o Código de Trânsito Brasileiro, art. 140, ao mencionar a habilitação para a condução de veículos automotores e elétricos, dentre outros requisitos, exige que o condutor seja penalmente imputável. E o rapaz, como já ficou explicado, é emancipado, mas continua menor, ainda não completou 18 anos, e, portanto, permanece inimputável. Nos 'Comentários ao Código Penal' (Rio de Janeiro: Forense, 1994, p. 276), um dos maiores penalistas brasileiros, chamado Edmundo Oliveira, paraense, ensina que imputabilidade é a possibilidade de se atribuir um fato criminoso ao agente que tem capacidade de responder às exigências comuns do viver diário na sociedade. Por assim dizer, somos imputáveis, porque somos portadores da capacidade de nos conduzir socialmente perante todos os atos éticos da vida. Assim, a imputabilidade é pressuposto da culpabilidade.

Ofereço a coluna de hoje, especialmente, a dois queridos amigos: Euclides de Oliveira, mestre paulista, que deu uma palestra em Belém, vai ter a ventura de assistir ao majestoso Círio de Nazaré, e Margarete Langanke, de quem fui colega na Faculdade de Direito do Largo da Trindade.

18.11.2007

Fonte:    Jornal "O Liberal" - 13.10.2007 - Belém - Pará 

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