MEDIDAS
PROVISÓRIAS E DIREITO PENAL |
José
Carlos Gobbis Pagliuca
1º Promotor de Justiça da Capital
Mestre em Dir. Proc. Penal e doutorando em Dir. Penal
É incabível se
legislar penalmente por medidas provisórias (art. 62, §1º, letra b,
da Const. Federal), e assim, todas as mps editadas não têm qualquer eficácia
legislativa, sendo, quanto ao Direito Penal, totalmente desconsideradas.[1]
E veja-se que a prorrogação ou alteração de prazos dos arts. 29 a
32, da Lei nº 10.826/03, como novamente o foi em junho passado, reveste-se
de caráter plenamente penal, pois a inobservância desses prazos implica,
diretamente, na tipicidade da conduta.
Essa
impossibilidade legislativa não é recente e nem mesmo genuína do Brasil. Modernas
democracias européias já adotavam, ex
ante, a impossibilidade de lei não estrita ser escoramento para edição
de normas penais. Assim é que
consoante Jescheck, na Alemanha, “em todo caso, como base de uma pena
privativa de liberdade somente cabe se considerar, de acordo com o art. 103,
II, GG (Const. Alemã), uma lei formal.”
[2] Do mesmo modo
Maurach e Zipf, ao alinhavarem
comentários acerca do princípio fundamental da legalidade. [3] Enrique
Bacigalupo faz o seguinte
comentário sobre a questão junto ao Direito espanhol: “Vinculada à
questão da lei como única fonte do direito penal se encontra o problema da
hierarquia normativa que se
requer para as leis penais na Constituição espanhola. Com a STC (sentença
do Tribunal Constitucional)140/86, ficou decidido que leis penais que impunham penas privativas de liberdade
devem possuir o caráter de leis orgânicas [4]
(art. 81.1, Const. espanhola), pois esta matéria constitui um
desenvolvimento de direitos fundamentais, concretamente do direito à
liberdade (art. 17.1 CE).” [5] E não desafina
desse solfejo Mir Puig: “Sem embargo, pode se entender que o art. 81 da
Constituição vem assegurar o nível de lei orgânica- e
não somente de lei formal- para o estabelecimento de, pelo menos, a maioria
das penas. O art. 81 não se refere, expressamente, ao Direito penal, mas
alcança a este sua declaração de que ‘são leis orgânicas as
relativas ao desenvolvimento dos direitos fundamentais e das liberdades públicas...’. Segundo o art. 81, II, a aprovação,
modificação ou derrogação das leis orgânicas exigirá maioria absoluta
do Congresso, em votação final sobre o conjunto do projeto.” [6] E no Brasil,
ainda na vigência do art. 62, da Const. Federal, sem a roupagem da Emenda
32, vozes aclamaram a impossibilidade de medida provisória legislar sobre
matéria penal. Exemplo disso foi
Silva Franco ao escrever que “a
circunstância do texto constitucional omitir toda e qualquer referência
sobre as matérias atingíveis pela medida provisória não quer dizer que
possa ela apresentar-se como instrumento adequado à abordagem da disciplina
penal... Se a medida provisória, não convertida em lei, perde sua eficácia
desde sua edição, é evidente que, no momento de sua
publicação, estava subordinada a uma condição temporal: a da sua aprovação
no prazo de 30 dias, pelo Congresso Nacional. Rejeitada ou não tendo havido
deliberação a respeito, no prazo já mencionado, a condição não se
realiza e a medida provisória é
algo inexistente no mundo jurídico.Como tal conceituação, seria possível
harmonizá-la com os princípios que regem o Direito Penal?
Seria cabível um tipo penal tão efêmero, um tipo que poderia ser
natimorto no seu ato criador? Tal como o decreto-lei e, por razões ainda mais ponderáveis,
a medida provisória não é lei e, por isso, não poderá ter por objeto a
matéria penal.” [7] Outra não foi a
irresignação, no ano de 1990, de Luiz F. Gomes quanto à caudalosa edição de
medidas
provisórias com matiz penal. Assim se expressou esse jurista, entre outras
palavras: “A medida provisória
surgiu na Constituição brasileira como sucedâneo do decreto-lei. Pode-se
dizer que é o antigo decreto-lei com roupagem um pouco diferente.
Competente para emiti-la é o presidente da República, em caso de relevância
e urgência (CF,art. 62). A moderna doutrina européia tem procurado
demonstrar a total incompatibilidade do decreto-lei para a criação de
crimes e penas...Quanto à doutrina italiana, vale lembrar a opinião de Fiandaca e Musco: ‘As garantias inerentes ao
princípio da reserva de lei se eliminam ou se atenuam no caso de expedição
de normas penais mediante decreto-lei: não só o direito de controle das
minorias é desconsiderado, mas as mesmas razões de necessidade e urgência
que justificam o recurso ao decreto-lei contrariam aquelas exigências de
ponderação que não podem ser eliminadas em sede de criminalização das
condutas humanas.’ Para a criação de crimes e penas ou medidas de
segurança ou para restrição de qualquer dos direitos fundamentais nunca
estará presente o requisito urgência assinalado no art. 62 da CF. Não que não haja,
às vezes, urgência na criminalização de uma determinada conduta humana,
não; o fundamental é que toda norma com caráter penal tem que seguir rigorosamente o procedimento legislativo previsto na
Constituição para as leis ordinárias (CF, arts. 61 e ss), isto é,
projeto tem que ser apresentado, discutido, votado, aprovado, promulgado,
sancionado e publicado, ensejando-se a possibilidade de ampla discussão,
inclusive pelas minorias. Para restrição de direitos fundamentais,
estabelecidos democraticamente pelo legislador constituinte, só esta via é
possível. Como se sabe, historicamente, esses direitos foram reconhecidos e
passaram a integrar as Cartas Magnas der todos os países civilizados, para
evitar o abuso do Estado absoluto, de todo-poderoso chefe da Nação...Devemos
falar em monopólio da lei, mas não qualquer lei, pois só é válida a lei
formal do Legislativo.” [8] E novamente se
alude a Manoel G. Ferreira Filho quanto á condição de constitucionalidade
legal. Expõe oeste insigne jurista: “Não faz dúvida que a lei está
sujeita à condição de constitucionalidade. Só é válida se se coaduna
formal e materialmente com o preceituado pela Constituição. Assim, a
validade da lei depende, por um lado, de um condicionamento formal. Este
resulta das normas que regem o processo de sua elaboração (competência,prazos,
etc.). Mas igualmente de um condicionamento material. De fato, o conteúdo
da lei tem de estar sintonizado comas regras materiais que edite a constituição.
Isto quer dizer que, havendo a Constituição preordenado o conteúdo da
lei, esta não pode contradizê-lo sob pena de invalidade. Este último
ponto concerne aos direitos fundamentais. Com efeito, para preservá-los é
que mais freqüentemente a Constituição pré-orienta a lei. Ademais,
quanto a eles são estipulados garantias específicas, cuja violação
importa inconstitucionalidade.” [9] Como diz
Francisco A. Toledo, “ora, a medida provisória, por não ser lei, antes
de sua aprovação pelo Congresso, não pode instituir crime ou pena
criminal (inciso XXXIX). Se o faz choca-se com o princípio da reserva
legal, apresentando vício de origem que não se convalece pela sua eventual
aprovação posterior, já que pode provocar situações e males irreparáveis.”
[10]
À sirga, ainda sobre a égide
de decreto-lei, o HC 55191/AL–ALAGOAS.HABEAS CORPUS Relator(a): Min.MOREIRA
ALVES Julgamento: 05/10/1977 Órgão Julgador: TRIBUNAL PLENO
Publicação: DJ 18-11-1977 PG- RTJ VOL-00086-02 PP-00408, do qual se
reproduz reduzido trecho: “...Por
outro lado, e ainda partindo da premissa que partiu o impetrante, não se
pode afastar o vício de incompetência para legislar sobre direito penal
por meio de Decreto-Lei, sob o fundamento de que o Diploma impugnado foi
aprovado pelo Congresso Nacional... A aprovação
do Congresso Nacional não tem
o condão de mudar a natureza do Decreto-Lei, transformando o em Lei, e
permitindo-lhe, portanto,extravasar do âmbito estreito em que é admitido.
Portanto, se correta estivesse para mim a premissa assentada pelo impetrante
- art. 2º, caput, do Decreto-Lei 326/67 criou modalidade nova de
apropriação indébita- não
teria dúvida em considerá-lo inconstitucional.” E
hoje, com a redação atual do art. 62, atuais são os textos adrede
mencionados, pelo que, sem temor algum, medida
provisória para lei penal sancionadora não é, senão, um indiferente legal.[11] E
assim se pode concluir com José Afonso da Silva: “As normas da ordem jurídica,
consoante temos visto, fundamentam sua validade na constituição (no
Brasil, Constituição Federal), sob dois aspectos: a)
formalmente, enquanto devem ser formadas por autoridades criadas de
acordo com ela, dentro da esfera de competência conforme o procedimento por
ela estabelecido; b) formalmente, enquanto o conteúdo de tais normas devem ajustar-se aos preceitos da constituição.
Nisso se manifesta o princípio da supremacia das normas constitucionais na
ordem jurídica nacional- de todas as
normas constitucionais, devemos frisar bem- e, isso é o primeiro sinal
de sua eficácia, quer em relação às normas que lhe precedem, quer quanto
às que se lhes seguem.” [12] A uma ou duas. Ou o Brasil é um estado democrático de direito ou não passa de disfarçado e hipócrita Estado totalitário e absolutista!
[1]
TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. Malheiros: SP,2001. Também antes mesmo da EC 32/01, já assim dizia
FERREIRA FILHO, M.G. Comentários
à constituição Brasileira de 1988. Saraiva: SP, 2000. De igual
modo: PRADO, Luiz R.. Comentários ao Código Penal. RT:SP, 2003. MIRABETE, J.
F. Manual de Direito Penal. Atlas: SP, 2005. [2] Tratado de Derecho Penal. P. General. Comares: Granada, 1993. [3] Derecho
Penal.
P. General. Astrea: B. Aires, 1994. [4] Correspondem de certo modo, às leis complementares brasileiras. Segundo o art. 81, da Const. Federal da Espanha diz: “1. São leis orgânicas as relativas ao desenvolvimento dos direitos fundamentais e as liberdades públicas, as que aprovem os Estatutos de Autonomia e o regime eleitoral geral e as demais previstas na Constituição. 2.A aprovação, modificação ou derrogação das leis orgânicas exigirá maioria absoluta do Congresso, em votação final sobre o conjunto do projeto.” Também as STC 25/84; 160/86. [5] Principios
de derecho penal.
P.General. Akal/Iure: Madrid, 1998. De igual modo VALLEJO, Manuel J. Los
Princípios Superiores del Derecho Penal. Dickinson:Madrid, 1999. [6]
Derecho
Penal. P.General. Reppertor: Barcelona, 1996. [7] A
medida provisória e o princípio da legalidade. RT, ano 78, out.1989- 648/367/369. [8] A
lei formal como fonte única
do direito penal (incriminador).
RT,
ano 79, jun.1990- 656/257/268. [9]
Direitos Humanos fundamentais.
Saraiva:SP, 2000. [10] Princípios Básicos de Direito Penal. Saraiva: SP, 1994. [11]
"O HC nº 888.849-3/3-SP, de 20/01/06, rel. Des. Vico Mañas,
decidiu pela [12]
Aplicabilidade
das normas constitucionais. Malheiros: SP, 2001. 10.04.2006 |
Fonte: e-mail remetido pelo Autor |
www.soleis.adv.br Divulgue este site