MARIDO TRAÍDO PROCESSOU RICARDÃO

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ZENO VELOSO
Jurista 

O Instituto Brasileiro de Direito de Família realizou, em Porto Seguro, o Congresso Nordestino de Direito de Família, que se revestiu de grande sucesso.

 Reencontrei professores de diversos pontos do país e o jovem mestre Jorge Duarte Pinheiro, da Universidade de Lisboa, autor, dentre outros, de um livro importantíssimo, denominado “O Direito de Família Contemporâneo”.

A convite dele, e num momento inesquecível de minha atividade docente, dei uma aula em sua turma, naquela notável Faculdade de Direito de Lisboa. Na Bahia, conversando com o professor Pinheiro, disse-lhe que tenho uma ex-aluna, Jamile Saraty, muito estudiosa, que faz curso de mestrado na Faculdade de Direito de Coimbra, cuja dissertação versa sobre a responsabilidade civil dos cônjuges entre si.

As obrigações recíprocas entre os cônjuges estão enumeradas no artigo 1.672 do Código Civil português: respeito, fidelidade, coabitação, cooperação e assistência. O Código Civil brasileiro indica estes deveres dos cônjuges no artigo 1.566: fidelidade recíproca, vida em comum, no domicílio conjugal, mútua assistência, sustento, guarda e educação dos filhos, respeito e consideração mútuos.

Tanto lá, como cá, a fidelidade é o principal dever dos cônjuges e o adultério é a forma extremíssima da violação do mesmo.

Na ordem jurídica brasileira persiste uma acesa discussão sobre a possibilidade de um cônjuge intentar ação contra o outro, pedindo indenização, alegando ter sofrido danos morais. Vou aproveitar o artigo de hoje para dar notícia de uma decisão importantíssima do Superior Tribunal de Justiça a respeito do assunto (recurso especial nº 922.462-SP, relator ministro Ricardo Villas Bôas Cueva). 

Na ação, o autor alegou que se casou com a ré, em 1985, e no ano de 1988 nasceu uma criança, em plena constância do casamento, e que foi registrada como filho do casal. Em 1989, o casal separou-se consensualmente, prevendo-se que a guarda da criança ficava com a mãe.

O ex-marido ficou pagando alimentos.

Passado algum tempo, em 1994, o autor da ação foi comunicado que não era pai biológico da criança, fruto de relação adulterina de sua ex-mulher com um ex-namorado dela (aliás, aproveito para alertar os maridos: fiquem de olho nos ex-namorados, cuidado com ex-namorados, há um tipo de paixão que bate e fica...). O exame pericial (DNA) demonstrou cabalmente que o marido não era o pai da criança que sua esposa gerou e pariu, pelo que ajuizou a ação para obter ressarcimento dos danos materiais correspondentes aos pagamentos feitos por erro ao então filho e à ex-mulher, até então auxiliados pelo autor, bem como dos danos morais, requerendo a condenação solidária da mulher e do verdadeiro pai biológico da criança, que, por sinal, era também amigo do marido vitimado pelo adultério.

Para sintetizar, o STJ decidiu da seguinte maneira: 

I - quanto aos danos materiais, entendeu que o ex-marido não tinha direito de ser ressarcido, uma vez que os alimentos e demais despesas que teve com a criança corresponderam ao tempo em que a mesma ostentava a condição de filho socioafetivo do autor;

II - com relação aos danos morais, ficou assentado que a violação dos deveres impostos por lei tanto no casamento (Código Civil, artigo 1.566), como na união estável (artigo 1.724 do Código Civil) não constituem, por si sós, ofensa à honra e à dignidade do consorte, aptas a ensejar a obrigação de indenizar, todavia, não é possível ignorar que a vida em comum impõe restrições que precisam ser observadas, destacando-se o dever de fidelidade nas relações conjugais, o qual pode, efetivamente, acarretar danos morais, como no caso concreto, em que de fato restou demonstrado o abalo emocional do autor pela traição da então esposa, com a cientificação de não ser o genitor da criança gerada durante a relação matrimonial. 

A ex-esposa foi condenada a pagar R$ 200.000,00, a título de indenização pelos danos morais suportados pelo ex-marido, quantia a ser corrigida monetariamente e incidindo juros desde a data do evento danoso, qual seja, a data da concepção do menor; 

III - a respeito do verdadeiro pai biológico da criança, que relacionou-se sexualmente com a esposa de seu amigo (“muy amigo”), o STJ, mantendo antiga jurisprudência, decidiu, em que pese o alto grau de reprovabilidade da conduta do sujeito que se envolve com pessoa casada, que o “cúmplice” da esposa infiel não é solidariamente responsável a indenizar o marido traído, pois tal fato não constitui ilícito civil ou penal.

Terceiro estranho à relação conjugal não está obrigado a zelar pela incolumidade do casamento alheio ou a revelar a quem quer que seja a existência de relação extraconjugal firmada com sua amante.

O “ricardão” não foi condenado a pagar danos materiais ou morais sofridos pelo cônjuge inocente.

06.11.2015 

Fonte: Jornal "O Liberal" - edição 21.09.2013

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