Marido quer usar sobrenome da mulher |
ZENO
VELOSO
Jurista
José Maria da Silva está noivo de Patrícia Beviláqua e foram visitar o cartório de Registro Civil para obter informações a respeito do processo de habilitação do casamento. Patrícia disse, na ocasião, que era arquiteta conhecida no mercado, descendia do jurista cearense Clóvis Beviláqua, integrante de uma nobre família italiana da região de Verona, e não queria mudar o seu nome, com o casamento. Além do mais, sabia da trabalheira e das despesas para alterar documentos e nele fazer constar o novo nome: carteira de identidade, de motorista, do trabalho, profissional, passaporte, cartões de banco e do plano de saúde, cartões de crédito etc. O oficial do Registro Civil disse que ela podia ficar tranquila, que não era obrigada a modificar seu nome, podendo mantê-lo como está. O noivo, surpreendentemente, já que o assunto jamais havia sido tratado pelo casal, apressou-se, e disse: “Mas eu quero mudar meu nome, acrescentando o sobrenome de Patrícia, e vou ser chamado José Maria da Silva Beviláqua. É possível?” Em 1916, foi aprovado nosso primeiro Código Civil, que entrou em vigor no ano seguinte, no dia 1º de janeiro de 19l7, e cujo artigo 240, na sua redação original, previa: “A mulher assume, pelo casamento, com os apelidos do marido, a condição de sua companheira, consorte e auxiliar nos encargos da família”. O marido era considerado chefe da sociedade conjugal, e a mulher casada relativamente incapaz. Portanto, nada mais lógico do
que, ao ingressar na família de seu marido, e numa família
matrimonializada, de forte cunho econômico, patriarcal, a mulher
fosse obrigada a alterar seu nome e acrescentar o patronímico,
os apelidos, enfim, o sobrenome do marido. A Emenda Constitucional nº 9, de
28 de junho de 1977, aboliu o vetusto princípio que
vigorava entre nós, há décadas, proibindo o divórcio. Em
seguida, a lei nº 6.5l5, de 26 de dezembro de 1977, conhecida como
“Lei do Divórcio”, veio regular os casos de dissolução da
sociedade conjugal e do casamento e imprimiu algumas importantes
mudanças em nossa legislação. O Direito de Família brasileiro passou
por uma notável transformação. Dentre outras alterações no Código
Civil que vigorava na ocasião, foi incluído o parágrafo único
do artigo 240, estatuindo: “A mulher poderá acrescer aos seus os
apelidos do marido”. A partir de então, a mulher não
estava mais obrigada a juntar o sobrenome do varão, o
patronímico do marido, podendo, se quisesse, adotar o nome de família
do esposo. Isso, então, deixou de ser um dever, uma obrigação,
transformando-se numa opção, uma faculdade da mulher que
se casava. Sem dúvida, foi um grande avanço. Posteriormente, foi promulgada a Constituição
Federal, de 5 de outubro de 1988, que, neste ano, completou 25
anos. Tanto no artigo 5º, “caput”,
como no artigo 5º, I, esta Constituição proclama a igualdade entre
homem e mulher; no artigo 226, parágrafo 5º, em norma dirigida à
família, estabelece que os direitos e deveres referentes à
sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela
mulher. Finalmente, foi aprovado o novo Código
Civil, em 2002, que entrou em vigor no dia 11 de janeiro de
2003, cujo artigo 1.511 exprime: “O casamento estabelece comunhão
plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges”. O artigo 1.565, “caput”, dispõe: “Pelo casamento, homem e mulher assumem mutuamente a condição de consortes, companheiros e responsáveis pelos encargos da família”. E o parágrafo 1º deste artigo edita: “Qualquer dos nubentes, querendo, poderá acrescer ao seu o sobrenome do outro”. Assim sendo, o nubente pode continuar com o próprio nome, mas, por efeito do casamento, pode alterar seu nome. Não só a mulher pode acrescer ao
seu o sobrenome do marido, como está permitido que o marido junte
ao seu o sobrenome da mulher. Como o texto não fez qualquer
limitação ou restrição, o nome pode ser mudado por ambos,
simultaneamente, e cada cônjuge acrescenta o sobrenome do outro. Por exemplo, tendo casado Pedro
Souza com Maria Pereira, o marido passou a chamar-se Pedro
Souza Pereira, e a mulher Maria Pereira Souza. A jurisprudência tem admitido
que, por sentença judicial, o cônjuge inclua no seu nome o
sobrenome do outro, ainda que após a data da celebração do
casamento (cf. STJ, Recurso Especial 910.094-SC, julgado em
4/9/2012). O artigo 1.677,1, do Código Civil português, semelhantemente, prevê: “Cada um dos cônjuges conserva os seus próprios apelidos, mas pode acrescentar-lhes apelidos do outro até ao máximo de dois”. Na Itália, a mulher tem o dever de assumir o patronímico do marido, como prevê o artigo 143 bis, primeira parte, do Código Civil italiano: “La moglie aggiunge ao proprio cognome quello del marito...” (A mulher acrescenta ao próprio sobrenome o do marido...”). Na França, por força da tradição, mantém-se a adoção do sobrenome do marido pela mulher. Nos Estados Unidos,
seguindo o sistema da “common law”, a mulher casada assume o
sobrenome do marido, e isso não está previsto em lei, mas
tem base nos costumes, numa tradição imemorial: se Isabel Brown
se casa com John Smith, passa a chamar-se Isabel Brown
Smith. Por ser conveniente e dar correta informação a todos, a
mulher casada costuma preceder o seu nome com a abreviatura
“Mrs.”(“senhora”). P.S. Segundo levantamento da Arpen-SP (Associação dos Registradores de Pessoas Naturais do Estado de São Paulo), no ano de 2012, 25% dos homens que se casaram no civil adotaram o sobrenome das mulheres.
14.10.2013 |
Fonte: Publicado no jornal "O Liberal" - 12.10.2013 |
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