Querem reduzir a maioridade penal

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ZENO VELOSO
Jurista 

                                                 Lembro-me que atendi ao telefonema e do outro lado reconheci a voz amiga de Othon Sidou, meu querido presidente da Academia Brasileira de Letras Jurídicas. O objetivo principal da chamada era acadêmico: o professor Sidou falou do lançamento da candidatura de Paulo José da Costa Júnior, para vaga que se encontrava aberta em nossa Academia. Bastava o pedido de tão gentil e eminente figura, mas votei em Paulo José porque tenho grande apreço por seu trabalho, considero-o um dos maiores juristas do Brasil. Não atua em minha área preferencial de estudo e pesquisa, que é o Direito Civil (eventualmente, o Direito Constitucional). Paulo José é um penalista exímio, mundialmente reconhecido. É professor concursado de Direito Penal na Universidade de São Paulo e na Universidade de Roma. Alia profundo conhecimento teórico com longa e permanente atuação no foro, sendo um dos melhores advogados criminalistas de nosso País. Escreveu várias obras, mas seu livro clássico é o Curso de Direito Penal, prático e profundo, escrito de maneira acessível e não há quem não aprenda com sua leitura. Depois de uma redefinição e novo ordenamento, a obra notável está concentrada num único volume, e o autor teve a bondade de me enviar a 9ª edição - revista e atualizada - que acaba de sair, pela Editora Saraiva.

No capítulo IV, trata da imputabilidade, e convém alertar que o ponto de vista de Paulo José da Costa Júnior difere um pouco do que é apresentado por Luiz Flávio Gomes e Antonio García Pablos de Molina no Direito Penal, (V. 2, Parte Geral, p. 573), para quem 'Imputável é quem tem a capacidade de entender (o que faz) e querer (o que faz), é dizer, é quem tem a capacidade em tese de entender o caráter ilícito do fato e de determimar-se de acordo com esse entendimento', sendo que o conceito de imputabilidade é extraído, a contrario sensu, do art. 26, caput, do Código Penal.

O art. 27 do Código Penal considera penalmente inimputáveis os menores de 18 anos. Presume a lei - e se trata de presunção absoluta, juris et de jure, que não admite prova em contrário - que a pessoa que não alcançou aquela idade não tem entendimento suficiente para compreender que sua conduta pode ser, ou não, delituosa. Se o sujeito, no momento em que praticou o ato, não tem condições de entender o caráter ilícito da conduta, é inimputável. Uma das causas de exclusão da imputabilidade penal, no direito brasileiro, é a menoridade. E a disposição do art. 27 do Código Penal foi constitucionalizada, pois o preceito foi literalmente repetido no art. 228 da Carta Magna.

Paulo José da Costa Júnior observa que mesmo que o menor de 18 anos seja dotado de capacidade plena para entender a ilicitude do fato ou de determinar-se segundo esse entendimento, a norma o considera imaturo e, portanto, inimputável, tratando-se de uma presunção legal assentada em mero critério biológico, que não admite prova em contrário, ponderando o mestre que as condições sociais de hoje não são mais as de 1940, quando se estabeleceu essa presunção, pois tudo mudou, de forma radical e o pressuposto biológico atual não será mais o mesmo, razão pela qual o jovem de hoje, aos 16 anos, tem plena capacidade para entender o caráter ilícito do fato, não se devendo insistir em estabelecer aos 18 anos o limite mínimo da imputabilidade penal, preconizando o retrocesso no limite da imputabilidade penal para dezesseis anos (ob. cit., página 118).

José Afonso da Silva (Comentário Contextual à Constituição, 2ª ed., página 861), concordando com René Ariel Dotti, pensa que o art. 228 da Constituição, embora topograficamente não esteja incluído no art. 5º, concebe a inimputabilidade de quem não atingiu a idade de 18 anos como uma garantia fundamental, tratando-se de um direito individual, caracterizando, assim, uma cláusula pétrea. Conseqüentemente, a garantia não pode ser objeto de emenda constitucional visando à sua abolição para reduzir a capacidade penal em limite inferior de idade - 16 anos, como consta no aludido projeto de emenda constitucional. Se for assim, ainda que o Congresso aprove e promulgue a emenda, o Supremo Tribunal Federal, se for acionado, pode declarar a inconstitucionalidade da mesma, e torná-la sem efeito algum. Em meu livro Controle Jurisdicional de Constitucionalidade (3ª ed., página 138), exponho que descumpridas as regras de caráter procedimental, ou desatendidas as limitações temporais ou materiais (de fundo, substanciais), a emenda constitucional é inconstitucional, fica submetida ao controle judicial.

17.08.2008 

Fonte: Jornal "O Liberal" - edição 09.08.2008

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