MAGISTRADO - PORTE DE ARMA

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 Associação Nacional dos Magistrados Estaduais

                           

  Senhor Ministro,

A magistratura brasileira tem vivido momentos de ilegal constrangimento em razão de condutas abusiva de algumas autoridades policiais e seus agentes. 

É inaceitável o desconhecimento das prerrogativas e dos direitos dos magistrados, assentadas na Constituição Federal e na Lei Complementar nº 35/79, a Lei Orgânica da Magistratura Nacional. 

Os incidentes maiores têm-se registrado em razão do porte de arma e da prisão de autoridades judiciárias, não se podendo deixar de registrar a insólita e ilegal revista pessoal e em veículos de magistrados, quando usados por eles. 

Parece que autoridades policiais e seus agentes, de grau hierárquico inferior, na busca de notoriedade e de holofotes, desprezam o respeito que devem aos agentes políticos da nação, tratando-os de forma  indevida. 

No que diz respeito ao porte de arma, a matéria está definitivamente esgotada em face de decisão do Colendo Superior Tribunal de Justiça, cuja cópia segue em anexo. Não podem as autoridades policiais pretender a exibição de porte e de registro de arma de fogo à luz do Estatuto do Desarmamento, diploma legal não aplicável aos magistrados, ativos ou inativos (o cargo é vitalício e a aposentadoria não retira de seu portador as prerrogativas inerentes).

Observe-se que, no caso relatado na decisão em anexo, a autoridade policial, por ignorância ou má-fé expressa, remeteu os autos ao juízo de primeiro grau federal e não ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins (tribunal ao qual está vinculado o magistrado), ou em último caso, diretamente ao STJ, ainda que o “preso” fosse um desembargador devidamente identificado por ocasião da abordagem. 

Quanto às prisões, lastimavelmente alguns agentes, extrapolando os limites da razoabilidade e da própria lei, se esmeraram em algemar magistrados, exibindo-os à imprensa e conduzindo-os  para delegacias, ignorando a Lei Complementar 35/79, da qual se colhe: 

DAS PRERROGATIVAS DO MAGISTRADO 

Art. 33. São prerrogativas do magistrado:

I - ser ouvido como testemunha em dia, hora e local previamente ajustados com a autoridade ou juiz de instância igual ou inferior;

II - não ser preso senão por ordem escrita do tribunal ou do órgão especial competente para o julgamento, salvo em flagrante de crime inafiançável, caso em que a autoridade fará imediata comunicação e apresentação do magistrado ao presidente do tribunal a que esteja vinculado (Vetado);

III - ser recolhido a prisão especial, ou a sala especial de Estado-Maior, por ordem e à disposição do tribunal ou do órgão especial competente, quando sujeito à prisão antes do julgamento final;

IV - não estar sujeito à notificação ou à intimação para comparecimento, salvo se expedida por autoridade judicial;

V - portar arma de defesa pessoal.

Parágrafo único. Quando, no curso de investigação, houver indício da prática de crime por parte do magistrado, a autoridade policial, civil ou militar, remeterá os respectivos autos ao tribunal ou órgão especial competente para o julgamento, a fim de que prossiga na investigação.

Art. 34. Os membros do Supremo Tribunal Federal, do Tribunal Federal de Recursos, do Superior Tribunal Militar, do Tribunal Superior Eleitoral e do Tribunal Superior do Trabalho têm o título de ministro; os dos Tribunais de Justiça, o de desembargador; sendo o de juiz privativo dos integrantes dos outros tribunais e da magistratura de primeira instância.    

Assim, o magistrado preso em flagrante delito por crime inafiançável deve ser apresentado, de imediato ao Presidente do tribunal a que está vinculado, sendo de todo inadmissível mantença em delegacia ou estabelecimento prisional comum. 

Por outro vértice, se preso por ordem judicial, sua apresentação deve se dar incontinente à autoridade judiciária que determinou a prisão e a mais ninguém. 

Sendo o magistrado um agente político do Estado, dotado de representação, tem-se como de todo impertinente a inspeção pessoal e em propriedade móvel ou imóvel do magistrado por agente de autoridade, ou mesmo por autoridade subalterna, reservando-se o ato, quando estritamente necessário, a autoridade de igual hierarquia funcional. 

Não se alegue, Sr. Ministro, que o magistrado somente goza das prerrogativas quando no exercício da função. As funções dos agentes políticos são exercitadas de forma permanente. Vossa Excelência, por exemplo, é Ministro da Justiça ainda que fora do horário de expediente e como tal deve ser respeitado, jamais podendo ser revistado por um delegado, oficial de polícia ou agente seu. Em suma, não se pode dissociar a pessoa física do cargo exercido, máxime por se tratar de agente político, membro de um dos Poderes da República e de investidura vitalícia. 

Registre-se ainda, que muitas autoridades deixam de atender ao comando judicial não apresentando presos, servidores requisitados para depor ou não remetendo documentos quando requisitados, causando sérios problemas e atrasos na instrução dos processos e, não raro, levando à liberdade por excesso de prazo. 

Os excessos tem assumido proporções preocupantes, pelo que esta Associação adotou a postura de recomendar a todos seus associados que não cedam, nem se curvem à exigências abusivas de autoridades subalternas e de seus agentes, fazendo uso de sua autoridade para coibir toda e qualquer conduta ilegal praticada contra a autoridade judiciária, seja dando voz de prisão em flagrante, seja, se de todo impossível impor sua determinação no momento dos fatos, requisitando, logo a seguir, ao Ministério Público o devido procedimento penal, além de mover as ações indenizatórias pertinentes contra a autoridade, seus agentes e contra a própria pessoa jurídica de direito público à qual se subordina o servidor, civil ou militar. 

Diante de todo o exposto, a Associação Nacional dos Magistrados Estaduais, solicita a Vossa Excelência que se digne:

a) determinar à Polícia Federal e à Polícia Rodoviária Federal que observe e respeite os direitos e as prerrogativas da magistratura, agindo estritamente dentro do quanto prescreve a Lei Orgânica da Magistratura Nacional;

b) encaminhar cópia deste expediente aos dirigentes dos organismos policiais acima referenciados e aos Exmos. Srs. Secretários de Segurança dos Estados, para que dêem ampla divulgação deste expediente e da decisão do Colendo STJ aos seus servidores policiais civis e militares. 

Valho-me da oportunidade para apresentar a Vossa Excelência protestos de elevado apreço. 

Desembargador Elpídio Donizetti
                      Presidente da ANAMAGES

 Ao
Exmo. Sr.
Dr. Tarso Genro
DD. Ministro da Justiça da República Federativa do Brasil 

Ofício 042/2008 

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 Associação Nacional dos Magistrados Estaduais

 PORTE DE ARMA POR MAGISTRADO, decisão do STJ

Nota de desagravo ao E. Desembargador  Luiz Aparecido Gadotti (TO)

 

É de se lastimar que as autoridades policiais ignorem a lei e submetam magistrados ao constrangimento de se verem compelidos a procedimentos absurdos.

A Lei do Desarmamento (lei ordinária) não se aplica à Magistratura, sendo a matéria regulada pela Lei Orgânica da Magistratura Nacional (lei complementar).

Felizmente, o Colendo STJ, por decisão do Exmo. Sr. Ministro MASSAMI UYEDA, põe fim ao estado policialesco e a ações abusivas dos organismos policiais.

Deve-se registrar que nenhum magistrado pode ser preso e conduzido à Delegacia, devendo ser, de imediato, apresentado ao seu respectivo Tribunal e, ainda assim, por crime inafiançável e em flagrante delito.

Veja-se o teor do Parecer Ministerial e da decisão do STF.

A ANAMAGES serve-se da presente para desagravar o Eminente Desembargador LUIZ APARECIDO GADOTTI do Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins, vítima de uma ilegal ação policial no Estado do Pará ao tempo em que se coloca à sua disposição para, se assim o desejar, prestar-lhe assistência em medidas judiciais contra os agentes da Polícia Federal, da Polícia Militar do Pará e do IBAMA que de forma desrespeitosa e, repita-se, ilegal, lhe impuseram vexame e  constrangimento de se ver submetido a um processo de sindicância que, pasme-se, foi remetido ao juízo de 1º Grau, em mais uma demonstração de total ignorância à norma legal.

(DIVULGAÇÃO DO NOME: AUTORIZADA) 

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PARECER DA D. PROCURADORIA DE JUSTIÇA

EXCELENTÍSSIMO SENHOR RELATOR, MINISTRO MASSAMI UYEDA.

S D 164/DF (originária do Pará)

(SEGREDO DE JUSTIÇA)

SINDICADO – Desembargador LUIZ APARECIDO GADOTTI

1. Trata-se de Sindicância instaurada junto a esta Corte, que teve origem em inquérito policial instaurado pela Polícia Federal em Santarém-PA, em face de notitia recebida da Divisão de Controle e Fiscalização do IBAMA naquela cidade, dando conta de que, em fiscalização daquele órgão, “foi retida a arma de fogo Revólver Taurus, calibre 38 Special, cano curto de 2”, de numeração 1355291, capacidade para 06 (seis) projéteis, em poder do nacional Sr. LUIS APARECIDO GADOTTI” (fl. 7).

Instaurado o inquérito, o Sr. Delegado de Polícia Federal fez consignar nos autos que o averiguado é Desembargador do Tribunal de Justiça do estado de Tocantins (fls.10 e 11).

1 Os autos foram ao MM. Juiz Federal em Santarém-PA, que os remeteu a esse Superior Tribunal de Justiça, em face da prerrogativa de foro do sindicado (art. 105, I, “a” da Constituição Federal) - fl. 18.

2. Diante dos fatos noticiados e da norma contida no art. 33, inciso V, da LC-35-79 (Lei Orgânica da Magistratura Nacional), o Ministério Público Federal, pelo seu membro que esta subscreve, manifestou-se no sentido de que fosse expedido ofício ao sindicado, para que ele apresentasse os esclarecimentos que entendesse oportunos sobre os fatos (fls. 32/33). E assim foi determinado por essa D. Relatoria (fl. 35).

3. O sindicado atendeu ao ofício, por meio da peça escrita que se encontra às fls. 56/63, na qual narra, de forma circunstanciada e detalhada, os acontecimentos que culminaram com a apreensão da arma de fogo que ele portava, manifestando ainda protesto contra a atuação dos agentes policiais, que, segundo entende, teriam agido de forma truculenta e desrespeitosa.

Quanto a isso, afirma que, questionado pelo policial militar sobre eventual porte de arma, prontamente admitiu-o e exibiu a arma ao agente policial, arma essa que se encontrava desmuniciada, identificando-se, ao mesmo tempo, como desembargador, e exibindo-lhe a carteira funcional onde constava sua prerrogativa de usar arma de fogo para defesa pessoal; porém, os agentes policiais insistiram na apreensão da arma, e “chegaram a esboçar a sua condução coercitiva” (fl. 60).

Em síntese, no que interessa a este procedimento, tendente a apurar eventual prática ilícita pelo sindicado, é de se ressaltar que este provou ser Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de Tocantins, juntando, para tal, cópia de sua carteira funcional; ademais, provou que é legítimo detentor da arma de fogo que encontrava em sua posse e foi apreendida pela Polícia, prova esta que fez por meio de certidão, com data de 27/11/07, firmada por escrevente do cartório do juízo da comarca de Colina/TO, afirmando que a arma fora apreendida em poder de um acusado e, em 21/12/1992, foi dada em cautela ao ora sindicado, quando então Juiz de Direito naquela comarca (fl.67).

4. A Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LC-35/79), em seu art. 33, inciso V, confere ao Magistrado a prerrogativa de “portar arma de defesa pessoal”, conceito no qual se inclui a arma que o sindicado portava.

Posteriormente, foi editada a Lei nº 10.826/03, que dispõe “sobre registro, posse e comercialização de armas de fogo e munição, sobre o Sistema Nacional de Armas – Sinarm, define crimes e dá outras providências”. Essa lei, em seu art. 6º, estabelece que “É proibido o porte de arma de fogo em todo o território nacional, salvo para os casos previstos em legislação própria [...]”. É o caso de determinados agentes públicos, dentre os quais os magistrados, cuja legislação própria confere-lhes a prerrogativa – decorrente da especificidade de suas funções – de usar arma de defesa pessoal. Aqui já se pode concluir que o porte da arma de fogo pelo sindicado era lícito, em face das normas contidas no art. 33, V, da LC-35/79, e no art. 6º da Lei nº 10.826/03.

Persiste a questão relativa à legitimidade da aquisição da arma, pois o art. 33, V, da LC-35/79, ao autorizar o magistrado a portar arma, pressupõe que ele a adquira de forma lícita; e também a questão relativa ao registro da arma.

5. No caso em análise, conforme já visto, o sindicado provou que obtivera a arma de forma lícita, pois a recebera em cautela, registrada no cartório do juízo.

O registro da arma de fogo, na sistemática da Lei nº 10.826/03, diz respeito à propriedade da mesma, e é obrigatório nos termos do art. 3º da mencionada lei. Verbis: “É obrigatório o registro de arma de fogo no órgão competente”, que é o Sinarm – Sistema Nacional de Armas, ao qual também compete “cadastrar as autorizações de porte de arma de fogo e as renovações expedidas pela Polícia Federal” (art. 2º, III). Mas o registro apenas “autoriza o seu proprietário a manter a arma de fogo exclusivamente no interior de sua residência ou domicílio, ou dependência desses, desde que seja ele o titular ou o responsável legal do estabelecimento ou empresa” (art. 5º).

A LC 35/79, que outorga aos magistrados a prerrogativa de portar arma de fogo para defesa pessoal, é silente quanto ao registro da arma.

4 Extrai-se da Lei nº 10.826/03 que o direito a porte de arma de fogo é um plus em relação à sua propriedade, já que o porte pressupõe a propriedade, e não o contrário.

Ora, se a Lei nº 10.826/03 deixa o magistrado à margem da proibição de portar arma de fogo, conclui-se que esse agente público também fica à margem da obrigação de registrar a arma junto ao Sinarm, no âmbito da Polícia Federal. O que resta, assim, é um vácuo normativo quanto ao registro da arma que o magistrado porte, por autorização da LC 35/79.

Assim, tenho que, à falta de normatização geral, é lícito o porte de arma de fogo por magistrado, para defesa pessoal, desde que legítimo proprietário da arma, ou que a detenha em cautela, do próprio Poder Judiciário, como é o caso que aqui se apresenta.

6. Pelos fundamentos expostos, o Ministério Público Federal, por meio do Subprocurador-Geral da República que esta subscreve, requer o arquivamento desta notitia, com base no art. 28 do Código de Processo Penal, no art. 3º, I, da Lei nº 8.038/90, e no art. 62, IV, última parte, da LC-75/93 (Lei Orgânica do Ministério Público da União).

Brasília, 6 de outubro de 2008.

Francisco Dias Teixeira
Subprocurador-Geral da República 

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Decisão

 Superior Tribunal de Justiça

SINDICÂNCIA Nº 164 - DF (2008/0133087-8)

RELATOR : MINISTRO MASSAMI UYEDA

REQUERENTE : J P

SINDICADO : E A

EMENTA: INQUÉRITO - PEDIDO DE ARQUIVAMENTO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO, TITULAR DA AÇÃO PENAL - RECONHECIMENTO DA ATIPICIDADE DOS FATOS DESCRITOS - ARQUIVAMENTO DO PROCEDIMENTO INQUISITORIAL - NECESSIDADE.

 

DECISÃO

Cuida-se de Sindicância instaurada perante esta a. Corte, que teve origem em inquérito policial instaurado pela Polícia Federal em Santarém-PA, em face de noticia criminis recebida da Divisão de Controle e Fiscalização do Ibama, naquela cidade, dando conta de que, em fiscalização daquele órgão, foi retida arma de fogo Revólver Taurus, calibre 38 Special, cano curto de 2, de numeração 1355291, capacidade para 06 (seis) projéteis, em poder do sindicado, desembargador de Tribunal de Justiça de um dos Estados da Federação.

O Ministério Público Federal, titular da ação penal, às fls. 73/77, manifestou parecer pelo arquivamento do procedimento criminal, sob os fundamentos de que, além do porte de arma pelo magistrado encontrar respaldo legal nos artigos 33, V, da LC 35/79 e 6º da Lei nº 10.826/03, sendo certo que no caso dos autos a aquisição da arma de fogo se deu de forma lícita, a Lei nº 10.826/03 deixou o magistrado à margem da proibição de portar arma de fogo, bem como à margem da obrigação de registrar a arma perante o Sinarm.

Destarte, reconhecida a atipicidade da conduta desempenhada pelo sindicado, e, em observância ao posicionamento sufragado pela colenda Corte Especial deste augusto Tribunal Superior no sentido de que, efetivado o pedido de arquivamento pelo Ministério Público, titular da ação penal, "não é dado ao relator fazer qualquer objeção, cabendo-lhe, ao contrário, acatar o pretendido" (ut AgRg no Inq 528/MT, Relator Ministro Gilson Dipp, Corte Especial, DJ 12.11.2007), o acolhimento do pleito afigura-se como sendo medida de rigor.

Assim, com fulcro nos artigos 3º, I, da Lei nº 8.038/90 e 219, I, do RISTJ, determina-se o arquivamento do procedimento inquisitorial.

Publique-se. Intimem-se. 

Brasília (DF), 20 de outubro de 2008.

MINISTRO MASSAMI UYEDA
Relator
 

28.11.2008 

Fonte: e-mail da Associação Nacional dos Magistrados Estaduais

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