Mãe   cobra   alimentos   do  filho 

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Zeno Veloso
Jurista

Recebi a visita da senhora idosa, a quem minha mãe, dona Lygia, pediu-me que atendesse. 

Percebi um resto de beleza no seu rosto e ela transparecia dignidade. Havia compostura nas suas roupas muito simples. Não tinha jóias. O colar de pérolas que usava era bijuteria e me contou uma história muito muito triste.

Criou o filho com muito esforço. Fez grandes sacrifícios para que ele sempre estivesse bem vestido, estudasse em bons colégios, cursasse a faculdade, comprando os melhores livros. O rapaz formou-se e se tornou um vitorioso empresário. Mas a mulher dele não suporta a sogra, e nutre antipatia por ela desde a época em que era simples namorada. Dominado pela esposa, completamente submisso, o sujeito foi se afastando da mãe, lembrando-se dela, quando muito, no Natal, no Ano Novo, quando dá um telefonema.

A idosa ia se aguentando, com a pensão miserável que recebia da Previdência. Mas não está mais suportando as despesas. Ela complementava o orçamento com algumas costuras que fazia para fora. Entretanto, não consegue mais trabalhar, pois está quase cega. A antiga máquina “Singer” está abandonada, num canto.

Enfim, precisa, urgentemente, de ajuda, amparo, de uma esmola, se se quiser chamar assim, o mínimo auxílio para que possa sobreviver nesse tempo de vida que lhe resta. Quando tocou no assunto com o filho, este a repeliu, até com violência.

Ouviu num programa de debates na televisão que, assim como os pais podem ser acionados para prestar alimentos aos filhos, estes, por sua vez, podem ser chamados para socorrer os pais. E era por causa disso que está diante de mim, perguntando: “Posso pedir na Justiça que meu filho adiante algum dinheiro para que eu diminua meu sofrimento?”

Eu tinha lido uma passagem inesquecível de Miguel Reale, em “Lições Preliminares de Direito”, 4ª Ed., página 45, e vou transcrever as palavras de meu querido e saudoso mestre, que vai ser o autor, digamos, da coluna de hoje. 

Diz o grande jusfilósofo: 

Certa vez, fui procurado por um casal de velhos - de quase 80 anos - que me expôs a sua situação de insuficiência econômica, carecedores que estavam dos mais elementares meios de subsistência.

Como diziam os romanos, na sua compreensão realística da vida, a velhice é a pior das doenças. Pois bem, o casal de velhos revelou-me que tinha um filho, um industrial de grande capacidade econômica, possuidor de várias fábricas e estabelecimentos comerciais e que, entretanto, não admitia que seus prepostos ou a esposa prestassem qualquer auxílio a seus pais. Ora, o Código Civil brasileiro, como o de todas as nações civilizadas, consagra o princípio da solidariedade econômica entre os cônjuges e os parentes. Nesse sentido, os descendentes não podem faltar à assistência devida aos pais e avós, toda vez que estes se encontrem em dificuldades econômicas, por motivos que não podem ser superados”.

Em conclusão, diz Miguel Reale: caso o filho não ceda a qualquer razão e se recuse, obstinadamente, a prestar assistência a seus genitores, não restará aos pais senão uma via - a de propor ação de alimentos.

O Código Civil brasileiro em vigor, de que Miguel Reale foi um dos mais importantes autores, apresenta dois artigos fundamentais, que resolvem a questão aqui tratada e analisei os dois dispositivos no livro que escrevi: “Código Civil Comentado, volume XVII, coordenação Álvaro Villaça Azevedo, editora Atlas, São Paulo, página 23. 

O art. 1.695 diz: “São devidos os alimentos quando quem os pretende não tem bens suficientes, nem pode prover, pelo seu trabalho, à própria mantença, e aquele de quem se reclamam, pode fornecê-los, sem desfalque do necessário ao seu sustento”. 

A fixação da pensão alimentícia depende de uma proporcionalidade, da verificação do binômio “necessidades” do alimentário e “possibilidades” do alimentado (ver Código Civil, art. 1694, § 1º).

E o art. 1.696 proclama: “O direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros”. 

Vê-se, assim, que os alimentos podem ser cobrados pelos filhos dos pais e pelos pais dos filhos. Entre ascendentes e descendentes há reciprocidade da obrigação alimentar. A mãe necessitada pode, sim, requerer pensão alimentícia do filho desamoroso e ingrato.

P.S. 1: Semana passada estive na linda Florianópolis - que prefiro chamar “Floripa” - e fiz uma palestra num evento jurídico. Ao final, respondi algumas perguntas e uma participante, catarinense típica, de Tubarão, disse que iria fazer uma indagação sobre tema não jurídico, e perguntou: “Estou acompanhando a trajetória do Paysandu e sou fã do Pikachu. É de origem indígena?

De onde vem esse nome?” Eu não soube responder, mas disse que iria mandar um e-mail para um cronista esportivo, Carlos Ferreira, que sabe tudo. Foi o que fiz, e Carlos Ferreira teve a gentileza de responder, explicando que Yago ganhou o apelido aos 9 anos, quando jogava futsal na Tuna, porque era o menor e o mais “elétrico” da turma, tal como o Pikachu da turma Pokemon, desenho animado, criação do programador japonês Satoshi Tajiri. Copiei o e-mail para a jovem catarinense, que ficou satisfeita. Mas a moça é curiosa: agora, quer saber a origem do prenome do jogador, Yago. Também não sei.

P.S. 2: Na próxima semana, dias 16 e 17, o Instituto Sílvio Meira, promoverá, no Hangar, o IV Congresso Luso-Brasileiro de Direito. Mais de 20 palestrantes, brasileiros e estrangeiros, estarão presentes. É uma grande programação jurídica.                 

18.12.2015 

Fonte: Jornal O Liberal - Edição de 12.09.2015

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