LEGÍTIMA DEFESA PERMANENTE |
José
Vitalino Neto
Advogado militante na
Comarca de Itororó (Ba)
Tese
nascente, alicerçando-se no que dispõe o art. 25 do Código Penal, e
tendo, a meu saber, os Professores Jader Marques (Síntese, 1999, p. 63) e
José Francisco Oliosi da Silveira, (este atualmente de saudosa memória),
como os seus primeiros defensores, em solo pátrio, é a da legítima
defesa permanente.
Legítima defesa, consoante os pacíficos entendimentos doutrinários e
jurisprudenciais, é a defesa conforme ao direito em face de um injusto
perigoso e ameaçador, segundo a relação de forças e valores da situação,
isto é, segundo a ponderação dos interesses contrapostos na situação,
consistindo-a, no direito que tem o cidadão de repelir ofensa injusta
quando a sociedade ou o Estado não puder oferecer a tutela.
A contradição reside no sentido, para certos casos, da atualidade ou
iminência da agressão, o que dá azo, doutrinariamente, a três posições
distintas:
A primeira entende
que a agressão deve ser atual, porque, quando prevista, deve ser evitada
a qualquer custo.
Neste entendimento GALDINO SIQUEIRA (Tratado, I, p. 327), para quem a legítima
defesa, encerra a "reação necessária" contra "agressão
inevitável". Não há legítima defesa, assevera o saudoso mestre,
se a agressão, além de ter podido ser evitada por "expedientes
concomitantes" podia ter sido prevista e prevenida. Assim, se o indivíduo
avisado de que seu inimigo está à sua espera em determinado lugar, para
agredi-lo, deve abster-se de sair de casa ou mudar de caminho, se não
pode receber socorro da autoridade pública; do contrário, se tiver de
reagir contra a agressão esperada, não lhe será dado invocar legítima
defesa.
Em linha de entendimento oposta, NELSON HUNGRIA, (Comentários ao Código
Penal. Forense, V.I, p.280) contesta a afirmativa de Galdino, lecionando
que "não há de se indagar se a agressão podia ser prevenida ou
evitada sem perigo ou sem desonra. A lei penal não pode exigir que, sob a
máscara da prudência, se disfarce a renúncia própria dos covardes ou
dos animais de sangue frio. Em face de uma agressão atual (ou iminente) e
injusta, todo cidadão é quase como um policial, e tem a faculdade legal
(além do dever moral ou político) de obstar in continenti e ex proprio
marte o exercício da violência ou da atividade injusta."
A segunda posição é a defendida não só por HUNGRIA, como pela maioria
dos doutrinadores.
Para MIRABETE, "A agressão deve ser atual ou iminente. Atual é a
agressão que está desencadeando-se, iniciando-se ou que ainda está
desenrolando-se porque não se concluiu".
Ao dissertar sobre a iminência da agressão, que deve ser imediata,
MIRABETE conclui:
"Não há legítima defesa, porém, contra uma agressão futura,
remota, que pode ser evitada por outro meio."
Outro não é o pensamento de MAGALHÃES NORONHA:
"Deve ela ser atual ou iminente. A legítima defesa não se funda no
temor de ser agredido nem no revide de quem o foi. Há de ser presente a
agressão, isto é, estar se realizando ou prestes a se desencadear. Não
existe agressão futura ou contra o que já cessou."
Quer parecer, todavia, que a doutrina citada não está na conformidade
dos tempos atuais. Submete-se ao objetivismo de que fala HUNGRIA quando
conceitua a atualidade e iminência da agressão.
A terceira posição, que está surgindo, de Oliosi da Silveira e Jader
Marques, examina entendimento da figura da iminência da agressão, sob um
aspecto incomum, ou seja, aspecto do perigo constante da iminência da
injusta agressão:
"Legítima defesa permanente: Ocorre quando o perigo é constante,
como no caso do preso jurado de morte pelo companheiro de cela. Para o
agente, nessa situação extrema, dormir pode significar não mais
acordar. Aceita-se, ainda, entre tantas possibilidades, a tese da legítima
defesa permanente, no caso da mulher agredida e jurada de morte pelo
marido ou companheiro. A maioria das agressões ocorridas no interior dos
lares constitui uma realidade triste e muda. São surras violentíssimas,
além de não menos terrível violência moral sofrida. São mulheres e
crianças, em sua maioria, vítimas de alcoólatras, drogados, ciumentos,
agressivos, cuja iminência de agressão injusta pode ser constante.
Nesses casos, é possível falar em inversão do ônus da prova. É o MP
que passa a ter o dever de provar que não havia agressão no momento do
fato, e não ao acusado de provar a presumida legítima defesa, porque em
estado de permanência.
É possível falar-se em prova acusatória não só do fato (materialidade
e autoria), mas também capaz de afastar a legítima defesa (ônus de
prova integral da acusação).
Essa terceira posição
traz um ingrediente novo: a distinção entre os substantivos agressão
e perigo. Uma circunstância é o perigo ser atual; outra, a atualidade da
agressão. O fato de a agressão não ser atual, não significa que o
perigo não o seja, que inexista. Não é do simples ato físico da agressão
que se defende a vítima, mas do perigo que isso significa. A arma na mão
de alguém não gera o estado de legítima defesa de um indivíduo, a não
ser que este se encontre em perigo, porque o gesto, neste caso, coloca em
risco sua integridade. Defende-se a vítima do perigo que se materializa
pela conduta agressiva. É dele que o agredido se protege. Todo perigo
(circunstância que prenuncia um mal para alguém ou para alguma coisa –
AURÉLIO) tem no seu ventre a presença, imediata ou remota, de uma agressão
(conduta caracterizada por intuito destrutivo – idem); mas nem toda
agressão é capaz de gerar perigo. Uma criança com três anos que na
posse de um estilete manifesta conduta agressiva contra um adulto jovem, não
chega a gerar perigo, senão singela cautela.
G. PENSO (La difesa legittima, p. 108), com muita propriedade, também
vem em defesa da mencionada tese, assim abordando:
"Afirma-se geralmente que deve ser iminente o realizar-se da lesão.
Não somos deste parecer. O que interessa é que o perigo seja atual. Se
deste deriva uma iminência da lesão, não importa. Assim, no caso em que
Tício ameace matar-me dentro de três ou quatro dias, se, digamos, não
subscrever um certo documento, não posso estar obrigado, para reagir, a
esperar que expire o prazo, isto é, até que a lesão se torne iminente.
Desde o momento da ameaça, o perigo é atual, e, desde esse instante, se
se apresentar a oportunidade de me subtrair do perigo, agredindo, estou
autorizado a fazê-lo."
São dois os exemplos básicos: o do presidiário que é jurado de
morte por um companheiro de cela, e o da mulher que é vítima de rapto.
Para este último caso, MIRABETE – embora não use a denominação
de legítima defesa permanente – entende que a mulher encontra-se em legítima
defesa ao agredir o raptor:
"Defende-se legitimamente a mulher vítima de rapto, embora já
esteja privada da liberdade já há algum tempo, pois existe agressão
enquanto perdurar essa situação." (op. cit., p. 182)
No exemplo do presidiário, o fato muda, mas não muda o aspecto jurídico.
No caso do rapto, há um crime; no do presidiário também, há o de ameaça,
pelo menos. E não se diga, por não ser verdadeiro, que a simples
comunicação da ameaça à autoridade policial fará com que cesse o
perigo.
Dirigindo-se para o mesmo entendimento, a atualizada e respeitável
doutrina de EUGENIO RAÚL ZAFFARONI e JOSÉ HENRIQUE PIRERANGELI (Manual
de Direito Penal Brasileiro, Parte Geral, 2. ed., RT, p. 581), expõe:
"O requisito da iminência é coerente se por tal se entende que o
agressor pode levá-la a cabo quando quiser, porque é inequívoca sua
vontade de fazê-lo e já dispõe dos meios para isto, mas não deve ser
entendido no mero sentido de imediatismo temporal."
A jurisprudência, como é cediço, em regra, fica quase sempre, na dependência
da doutrina abrir-lhe o caminho. Os Tribunais são submissos ao
objetivismo de que fala HUNGRIA. Não aceitam a interpretação mais
adequada aos tempos atuais. Ocasionalmente alguma decisão colegiada esboça
uma pálida abertura para a adoção da legítima defesa permanente:
"Se a atitude da vítima, que antes mesmo de ser perseguida, ante
sucessivos procedimentos indignos, em relação ao acusado, chegando até
à iminência de agressão física pessoal, é hipótese que se não
oposta violenta repulsa à agressão iminente, sem dúvida acarretaria
agressão sucessiva, efetiva e atual. Caso típico de legítima defesa
real." (JUTACRIM 84/362)
A 3ª C.Crim. do TJSP (Rec. 25.132-3, J. 02.04.1984), por unanimidade,
decidiu: "No sistema do CP, basta a presença concreta de perigo para
que surja, sem qualquer outra indagação, a necessidade de defesa". O núcleo da contradição não reside, portanto, simplesmente, na agressão atual ou iminente, mas, como enfatizado, no perigo atual da agressão injusta. 10.01.2008 |
Fonte: Rmetido por e-mail |
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