Helena pode casar-se com Bruno? 

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Zeno Veloso 
Jurista

 Afinidade em linha reta não se extingue com a dissolução
 do
casamento (ou da união
estável) que a originou.

 Sempre que não estou dando aulas ou atendendo a outras obrigações, assisto à novela “Viver a vida”. Para começar a conversa, digo que não suporto a Rafaela, criança maldosa, fofoqueira, de que se deve guardar distância. É claro, isso nada tem a ver com a atrizinha magnífica que faz o papel da encrenqueira.

A Luciana, depois de sofrer o grave acidente e ficar tetraplégica, está em plena recuperação, fazendo quase tudo. Do jeito que evolui - e tão rapidamente -, daqui a pouco estará na seleção brasileira de vôlei. E como jogadora! Quem dera que as recuperações dos pacientes fossem sempre assim.

A Helena ficou muito abalada quando soube das peripécias de seu marido. Mas ela também fez das suas, dando um espetacular beijo na boca no fotógrafo Bruno, enquanto ainda estava casada e convivendo com o marido.

 Aliás, a pequena Rafaela foi testemunha de tudo e fez ameaças de que iria bater com a língua nos dentes.

Aquilo que desde a viagem à Petra parecia inevitável, acabou acontecendo: Helena está namorando com Bruno e os dois parecem muito apaixonados, a relação é profunda e tudo indica que vai dar em casamento, sejam muito felizes. 

Sem querer chatear os dois, ou ser um estraga prazeres, vou meter uma colher jurídica nesse enredo: será que Helena pode casar-se com Bruno?

Não vou fazer suspense e deixar minha leitora - e os meus leitores, mesmo aqueles que juram de pés juntos que não assistem às novelas - com ansiedade, e afirmo, logo, que esse casamento é juridicamente impossível, não pode ser realizado.

O Código Civil, artigo 1.521, indica os impedimentos matrimoniais, ou seja, as razões ou motivos pelos quais uma pessoa está proibida de casar-se com outra e, se o casamento se realizar, descumprindo o impedimento, é nulo de pleno direito. O aludido artigo 1.521 enumera esses impedimentos em sete incisos.

O inciso VI do artigo 1.521 diz que não podem casar as pessoas casadas. Quem é casado, é lógico, não pode casar-se novamente, a não ser que esteja dissolvido o casamento anterior. E casamento, isto é, o vínculo conjugal, em nosso ordenamento, só se extingue pela morte ou pelo divórcio.

Adotamos, como em todos os sistemas jurídicos do mundo ocidental, regime monogâmico, e a bigamia, inclusive, é crime capitulado no Código Penal, artigo 235. 

Ora, Helena ainda está casada. Primeiro, tem de se separar judicialmente do marido, esperar um ano inteiro e, só então, estará apta para o divórcio, fazendo a conversão da separação judicial em divórcio (Código Civil, artigo 1.580, “caput”).

Mas não é só! 

Bruno e Helena estão proibidos de casar em razão de outro impedimento, o previsto no inciso II do artigo1.521 do Código Civil. Não podem casar os afins em linha reta, que são, exemplificando: o sogro e a sogra, o padrasto e a madrasta, o enteado, a enteada. Parentesco por afinidade é o que liga um cônjuge ou companheiro aos parentes do outro. A afinidade pode ser na linha reta e na linha colateral (cunhados). O impedimento só abrange a afinidade na linha reta. Entre os cunhados não há impedimento para o casamento, como no caso do irmão do falecido marido que pretende casar com a viúva deste.

Helena, afinal, está se relacionando afetivamente com Bruno, que é filho de Marcos, o marido dela. Helena é madrasta de Bruno e este é enteado da moça. Há, entre os dois, um vínculo de afinidade em linha reta, que veda o casamento deles; absolutamente, permanentemente.

E depois de Helena se divorciar de Marcos, poderá casarse com Bruno? 

Também não poderá, porque a afinidade em linha reta não se extingue com a dissolução do casamento (ou da união estável) que a originou (Código Civil, artigo 1.595, parágrafo 2º). É por isso que se diz que não há exsogra ou ex-sogro. Uma sogra e para sempre! 

Ainda que se divorcie, ou ainda que Marcos faleça e, então, o casamento estará dissolvido, Helena ficará livre e poderá, em princípio, casar-se com quem quiser, mas não poderá se casar com Bruno, que é seu enteado e continuará sendo.

18.04.2010 

Fonte: Publicado no jornal "O Liberal" - 17.04.2009

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