HÁ CRIME SEM CADÁVER?

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Zeno Veloso
Jurista  

                              

     Durante esta semana, a pergunta que mais respondi dizia respeito ao crime de homicídio que vitimou dois irmãos e que, pelas características e violência da ação, abalou literalmente a sociedade paraense. Nossa Polícia, rapidamente, esclareceu os fatos, descobriu a autoria, e o FBI, nesse episódio, teria muito que aprender com nossos delegados e investigadores.

     O problema é que os dias iam passando e os cadáveres não apareciam, pois tinham sido lançados no fundo do rio, dentro de barris. E andaram dizendo que os acusados não poderiam responder pelo homicídio porque 'não há crime sem cadáver'. Tive de explicar algumas vezes que não é bem assim.

     A falta do cadáver de uma pessoa desaparecida e que tudo indica foi assassinada pode, sem dúvida, complicar enormemente as investigações. Não conseguem os legistas, por exemplo, fazer o exame ou a perícia no próprio corpo, um dos mais importantes elementos de informação a respeito de um crime. Por outro lado, se os suspeitos negam o crime, alegam que não têm nada a ver com o desaparecimento do sujeito, que nem têm idéia se ele está vivo ou morto, como garantir que estão mentindo, como ter certeza de sua participação no evento, se não se tem segurança sequer de que o desaparecido está realmente morto?

     No caso presente, todavia, os acusados confessaram o crime, forneceram informações detalhadas de como o homicídio foi planejado e executado, descreveram minuciosamente as fases de planejamento e perpretação do delito, disseram a maneira utilizada para dar sumiço nos corpos. Só não tinham certeza absoluta do ponto em que os cadáveres foram jogados nas águas porque a pessoa incumbida dessa providência macabra estava foragida.

     A falta dos cadáveres, então, não pode servir de argumento para que se considere que não há crime. Ao contrário, a falta dos corpos das vítimas, nessas circunstâncias, até serve para qualificar o homicídio, para tornar o crime mais grave.

    Se fosse verdade que na falta de cadáver não está tipificado o crime, bastava o assassino dissolver num tonel de ácido o corpo da pessoa que ele matou. Já se vê o absurdo desta conclusão.

     No Direito Civil, enfrenta-se, também, a questão de ser declarada a morte de alguém, cujo cadáver não foi encontrado. O artigo 7º do Código Civil resolve a questão, afirmando que pode ser declarada a morte presumida, sem decretação de ausência, se for extremamente provável a morte de quem estava em perigo de morte, ou se alguém, desaparecido em campanha ou feito prisioneiro, não for encontrado até dois anos após o término da guerra. A declaração de morte presumida, nesses casos, somente poderá ser requerida depois de esgotadas as buscas e averiguações, devendo a sentença do juiz fixar a data provável do falecimento. Os casos mais comuns de morte presumida decorrem de catástrofes ou acidentes. Imagine-se o terremoto ou a explosão de um avião no meio do oceano.

     Acontece muito nas novelas, mas pode ocorrer na realidade (a arte imita a vida!) de uma pessoa que se tinha por morta aparecer com vida. Aí, de fato, a situação se complica. Entretanto, o Direito não pode ser compreendido com base nas exceções, no que raramente acontece, mas suas regras devem traduzir o que é normal, ordinário, o que normalmente ocorre no corpo social, e este princípio já estava consagrado, há milênios, no Direito Romano.
                       

06.05.2007 

Fonte: Jornal O Liberal - Edição de 05.05.2007

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