O HÁBITO DE ESCREVER
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                            José Antoniel

                                   
Psicólogo e Teólogo

 

 “Escrever é horrível, é como sofrer um colapso” (Ledo Ivo). 

Nos dias atuais, escrever tornou-se uma necessidade imperiosa. Quem não sabe escrever, e bem, já encontra dificuldade para prosseguir na luta pela vida. Dramático, não é? Mas veja bem: para cursar uma faculdade, primeiro o aluno precisa passar pela temível redação do vestibular. E tem mais: todas as questões das demais provas desse concurso, dependendo da instituição, passaram a ser discursivas (antes  bastava escolher uma resposta e marcar um X). Para sair da faculdade, o aluno deve elaborar uma monografia. Se quiser ter alguma chance no mercado de trabalho, terá que fazer algum estágio antes de concluir sua graduação. Mas para conseguir um bom estágio, o candidato precisa demonstrar sua capacidade de comunicação por meio de uma entrevista e, geralmente, de uma redação.

Na hora do emprego, não é diferente. As melhores empresas não querem mais admitir um candidato que não saiba redigir bem. A redação tornou-se um instrumento de avaliação indispensável. Isso porque, por meio da análise da escrita, pode-se perceber alguns traços psicológicos de um candidato, sua capacidade de raciocínio lógico e de comunicação. Não há dúvida: entre um candidato que sabe escrever bem, e outro que redige mal ou não sabe (e há muitos assim),  a preferência recai sempre sobre o primeiro. Comunicar-se bem, escrita e oralmente, neste mundo cada vez mais competitivo e dinâmico, constitui um enorme diferencial.

          O outro lado da questão é que escrever  tornou-se um bicho-papão ou, para usar outra expressão, um bicho-de-sete-cabeças, tal é o drama vivenciado por muitas pessoas, no momento em que precisam produzir um texto. Entre os estudantes, está o maior números de vítimas. Não é por acaso que a indústria de Trabalhos de Conclusão de Curso (TCC) e Teses cresce despudoradamente. Todavia, é grande também o número de profissionais liberais que suam frio quando precisam elaborar um texto. Um dia desses, um amigo advogado, estarrecido, me disse: “É impressionante a quantidade de colegas que não sabem escrever, que não conseguem elaborar uma petição. Coitados! Que mico eles não pagam, recorrendo aos seus colegas para fazerem tal serviço!” A essa lista de sofredores, da qual ninguém gostaria de fazer parte (nem eu), podem ser acrescentados profissionais das mais diversas categorias, como executivos, médicos, funcionários públicos e, inclusive, professores de Língua Portuguesa.

            Mas, se isto serve de consolo, muitos escritores também julgaram penoso o ofício de escrever. Jorge Amado, por exemplo, considerou-o difícil, duro, por vezes, dramático mesmo. Lawrence Durrell não deixou por menos: “Escrevo com muita dificuldade e muito esforço.” Ironicamente ele escreveu mais de 60 livros.: Friedrich Durrenmatt foi mais dramático: “Quando escrevo, estou diante da catástrofe, tenho sempre a impressão de ser um diletante, de não saber escrever, de não saber alemão, de não ter nenhuma imaginação, de estar diante do nada.” O narrador da novela A hora da estrela, de Clarice Lispector, sintetizou muito bem essa questão ao afirmar: “Não, não é fácil escrever. Escrever é lascar rochas.” 

            Bem, nunca lasquei rochas, lenha já. É uma atividade muito dura, exige um esforço enorme. Agora, imagine lascar rochas! Aliás, essa metáfora me faz lembrar Serra Pelada, aquelas imagens fantásticas que a televisão costumava mostrar. Aquilo parecia mais um formigueiro humano, com  milhares de homens se movimentando, freneticamente, de um lado para outro, com sacos de esperança nas costas – criam que ali levavam ouro. E muitos levavam mesmo. Mas a cada dia que se passava, o ouro ficava mais escasso a ponto de, na década de 90, a garimpagem manual tornar-se praticamente inviável. Contudo, mesmo assim, imagine que um garimpeiro muito teimoso resolva ir àquele lugar em busca de uma pedra valiosa. Então, chegando lá, diariamente, ele faz escavações, examina a argila e nada de ouro. Em determinados momentos, bate-lhe o desânimo, mas sua persistência é maior e ele continua a buscar, de forma obstinada, o tesouro, como se já o tivesse avistado antes mesmo de sair de casa. Até que um dia, de repente, ele encontra uma pedra tão preciosa como jamais qualquer outro garimpeiro havia encontrado.

Escrever, muitas vezes, é assim também: começa com uma intuição, exige sacrifício, paciência, determinação, escavações profundas, mas pode acontecer que um dia o escritor descubra uma jóia tão rara e tão preciosa como nenhum outro jamais encontrara, embora já tivesse escavado naquele mesmo lugar.   

 

Articulista, aos Sábados, do Jornal "O Liberal"
Autor da Obra "Pensar & Agir" -  vol. I.  recentemente lançada.
antoniel@nautilus.com.br 

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