O
HÁBITO DE ESCREVER
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“Escrever é horrível, é como sofrer um colapso” (Ledo
Ivo). Nos
dias atuais, escrever tornou-se uma necessidade imperiosa. Quem não
sabe escrever, e bem, já encontra dificuldade para prosseguir na luta
pela vida. Dramático, não é? Mas veja bem: para cursar uma faculdade,
primeiro o aluno precisa passar pela temível redação do vestibular. E
tem mais: todas as questões das demais provas desse concurso,
dependendo da instituição, passaram a ser discursivas (antes
bastava escolher uma resposta e marcar um X). Para sair da
faculdade, o aluno deve elaborar uma monografia. Se quiser ter alguma
chance no mercado de trabalho, terá que fazer algum estágio antes de
concluir sua graduação. Mas para conseguir um bom estágio, o
candidato precisa demonstrar sua capacidade de comunicação por meio de
uma entrevista e, geralmente, de uma redação. Na
hora do emprego, não é diferente. As melhores empresas não querem
mais admitir um candidato que não saiba redigir bem. A redação
tornou-se um instrumento de avaliação indispensável. Isso porque, por
meio da análise da escrita, pode-se perceber alguns traços psicológicos
de um candidato, sua capacidade de raciocínio lógico e de comunicação.
Não há dúvida: entre um candidato que sabe escrever bem, e outro que
redige mal ou não sabe (e há muitos assim), a preferência recai sempre sobre o primeiro. Comunicar-se
bem, escrita e oralmente, neste mundo cada vez mais competitivo e dinâmico,
constitui um enorme diferencial.
O outro lado da questão é que escrever
tornou-se um bicho-papão ou, para usar outra expressão, um
bicho-de-sete-cabeças, tal é o drama
vivenciado por muitas pessoas, no momento em que precisam produzir um
texto. Entre os estudantes, está o maior números de vítimas. Não é
por acaso que a indústria de Trabalhos de Conclusão de Curso (TCC) e
Teses cresce despudoradamente. Todavia, é grande também o número de
profissionais liberais que suam frio quando precisam elaborar um texto.
Um dia desses, um amigo advogado, estarrecido, me disse: “É
impressionante a quantidade de colegas que não sabem escrever, que não
conseguem elaborar uma petição. Coitados! Que mico eles não pagam,
recorrendo aos seus colegas para fazerem tal serviço!” A essa lista
de sofredores, da qual ninguém gostaria de fazer parte (nem eu), podem
ser acrescentados profissionais das mais diversas categorias, como
executivos, médicos, funcionários públicos e, inclusive, professores
de Língua Portuguesa.
Mas, se isto serve de consolo, muitos escritores também julgaram
penoso o ofício de escrever. Jorge Amado, por exemplo, considerou-o difícil,
duro, por vezes, dramático mesmo. Lawrence Durrell não deixou por
menos: “Escrevo com muita dificuldade e muito esforço.”
Ironicamente ele escreveu mais de 60 livros.: Friedrich Durrenmatt foi
mais dramático: “Quando escrevo, estou diante da catástrofe, tenho
sempre a impressão de ser um diletante, de não saber escrever, de não
saber alemão, de não ter nenhuma imaginação, de estar diante do
nada.” O narrador da novela A hora da estrela, de Clarice Lispector,
sintetizou muito bem essa questão ao afirmar: “Não, não é fácil
escrever. Escrever é lascar rochas.”
Bem, nunca lasquei rochas, lenha já. É uma atividade muito dura, exige um esforço enorme. Agora, imagine lascar rochas! Aliás, essa metáfora me faz lembrar Serra Pelada, aquelas imagens fantásticas que a televisão costumava mostrar. Aquilo parecia mais um formigueiro humano, com milhares de homens se movimentando, freneticamente, de um lado para outro, com sacos de esperança nas costas – criam que ali levavam ouro. E muitos levavam mesmo. Mas a cada dia que se passava, o ouro ficava mais escasso a ponto de, na década de 90, a garimpagem manual tornar-se praticamente inviável. Contudo, mesmo assim, imagine que um garimpeiro muito teimoso resolva ir àquele lugar em busca de uma pedra valiosa. Então, chegando lá, diariamente, ele faz escavações, examina a argila e nada de ouro. Em determinados momentos, bate-lhe o desânimo, mas sua persistência é maior e ele continua a buscar, de forma obstinada, o tesouro, como se já o tivesse avistado antes mesmo de sair de casa. Até que um dia, de repente, ele encontra uma pedra tão preciosa como jamais qualquer outro garimpeiro havia encontrado. Escrever,
muitas vezes, é assim também: começa com uma intuição, exige sacrifício,
paciência, determinação, escavações profundas, mas pode acontecer
que um dia o escritor descubra uma jóia tão rara e tão preciosa como
nenhum outro jamais encontrara, embora já tivesse escavado naquele
mesmo lugar.
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Articulista,
aos Sábados, do Jornal "O Liberal" |
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