João
Silva (nome fictício) já foi muito rico. Mora num apartamento com
quatrocentos metros quadrados e tem três vagas de garagem. Todavia, João
“endureceu”. Na verdade, não tem mais recursos para viver naquele
edifício de luxo. Mas não quer “perder a pose” e prefere ir vivendo
num mundo de fantasia, enrolando, “empurrando com a barriga”. Está
inadimplente, sempre atrasado quanto ao pagamento da taxa de condomínio,
e finge que nem vê os olhares reprovadores dos vizinhos, que pagam para
que ele e sua família usufruam os serviços condominiais (jardinagem,
segurança, portaria, limpeza de piscina, conservação dos salões,
elevadores etc.). Apesar de tudo, João tem um belo carro importado, que não
é do ano, mas passa por novo, e possui um outro veículo, que é usado
pela mulher e pelos filhos. Sobra-lhe, portanto, uma garagem no sub-solo
do edifício. E um amigo dele, morador da mesma rua, em outro prédio,
perguntou se ele não alugaria ou venderia a garagem, pois esse amigo tem
um automóvel a mais do que as garagens que ele próprio possui, no
respectivo prédio.
Surge, então, o problema: pode o condômino alugar ou vender para pessoa
estranha ao condomínio a vaga de garagem?
O Código Civil, nos artigos 1.331 a 1.358, regulou inteiramente o que
chamou condomínio edilício, revogando, nesta parte, a Lei n° 4.591, de
29.11.64, com as alterações da Lei n° 4.864, de 29.11.65. Neste condomínio
em edificações, há partes que são propriedade exclusiva e partes que são
propriedade comum dos condôminos. Há uma combinação das regras da
propriedade individual e do condomínio. O dono da unidade no edifício é,
simultaneamente, proprietário singular e condômino (comproprietário).
As unidades autônomas, de propriedade exclusiva, são os apartamentos, as
lojas, as salas, os escritórios, por exemplo. As partes comuns, de
propriedade de todos, em condomínio, por exemplo, são: o solo (o
terreno), a estrutura do prédio, o telhado, as escadarias, a rede geral
de distribuição de água, esgoto, gás e eletricidade, o acesso ao
logradouro público, salão de recepções, piscina, áreas de circulação,
elevadores.
Resolvendo o condômino alugar área no abrigo para veículos,
preferir-se-á, em condições iguais, qualquer dos condôminos a
estranhos e, entre todos, os possuidores, afirma o artigo 1.338 do Código
Civil, que, estranhamente, chama de “abrigo para veículos” o que
todos denominam vaga de garagem.
É possível, então, alugar a vaga de garagem. Mas é necessário dar-se
preferência, em condições iguais (valor do aluguel, especialmente), aos
outros condôminos e aos possuidores (como inquilinos, comodatários). Se
nenhum condômino ou possuidor tiver interesse no aluguel da garagem, aí,
sim, ela poderá ser alugada a pessoa estranha ao condomínio.
Com inteira pertinência, o professor Sílvio Venosa (Código Civil
comentado, Editora Atlas, v. XII, p. 476) adverte que o ingresso de
estranho, mormente para utilizar a garagem do prédio, é sempre mais um
fator de insegurança e de instabilidade condominial, e essa faculdade
deve ser evitada tanto quanto possível, entendendo este autor que a
convenção ou o regimento interno pode eficazmente vetar essa
possibilidade de locação, e em sua opinião, deveria o legislador ter
sido mais específico ao redigir o artigo 1.338, permitindo expressamente
a proibição de locação de garagem a terceiros, desde que atendesse ao
interesse da maioria condominial.
Sobre a alienação de garagem, rege o artigo 1.339, parágrafo 2°, do Código
Civil: “É permitido ao condômino alienar parte acessória de sua
unidade imobiliária a outro condômino, só podendo fazê-lo a terceiro
se essa faculdade constar do ato constitutivo do condomínio, e se a ela não
se opuser a respectiva assembléia geral”. Ressalte-se que a garagem só
pode ser alienada se tiver matrícula própria no Registro de Imóveis,
independente da unidade autônoma (apartamento, loja, sala de escritório
etc.) a que corresponde.
A alienação da garagem pode ser feita, livremente, a outro condômino. A
alienação a terceiro, a pessoa estranha ao condomínio, ao que mora num
prédio vizinho, por exemplo, só está autorizada se essa faculdade
constar no ato constitutivo do condomínio, e se a ela não se opuser a
respectiva assembléia geral. Portanto, não basta que a convenção
admita a alienação da garagem a estranhos ao condomínio, sendo necessário,
ainda, que a assembléia geral seja convocada para deliberar, podendo
aprovar ou proibir que a alienação seja feita.
Embora o artigo 1.339, parágrafo 2°, seja omisso – e o Código Civil
devia ter regulado melhor e muito melhor esta angustiante questão das
garagens nos edifícios, fonte de permanente conflito e divergência –,
entendo que há o direito de preferência dos demais condôminos, na hipótese
de um deles desejar alienar a vaga de garagem, e isto decorre das regras
gerais do condomínio.
“Aqui pra nós”, como dizia o saudoso Edgar Proença, admitir que um
estranho, como inquilino ou dono da vaga, ingresse na garagem do edifício,
onde não habita, não vive, não mora, a qualquer hora do dia ou da
noite, é um fator de grande risco, mais um elemento de confusão e de
discórdias no seio do condomínio. Se adianta aconselhar, sugiro que
sejam modificadas as convenções dos condomínios, e que se faça a
proibição, pura e simplesmente, em qualquer caso, de aluguel ou de
alienação de garagem no prédio a quem for estranho ao condomínio.
Prevenir é melhor do que remediar. E estando escrita a proibição,
“vale o escrito”, como no jogo do bicho, uma das mais poderosas
instituições nacionais, por incrível que pareça.
18..02..2005 |