A
DOUTRINA COMO FONTE DO DIREITO |
ZENO
VELOSO
Jurista
A
chamada Lei de Introdução ao Código Civil é muito mais do que seu nome
sugere, pois se trata, na verdade, de uma lei das leis, de uma lei geral
de aplicação de normas jurídicas. Temos obras clássicas sobre o
assunto, algumas com dois e até três volumes, às quais os estudantes não
têm fácil acesso. Por sua vez, nos manuais disponíveis, o tema é
tratado de repente, em poucas páginas.
Resolvi, então, elaborar um pequeno livro comentando os seis primeiros
artigos da citada Lei de Introdução - que são os mais importantes,
tratando os demais artigos do Direito Internacional Privado. Tentei, ao máximo,
tornar a obra muito simples, didática, para colocá-la ao alcance de
todos. Foi o livro publicado pela Editora Unama, no final do ano passado,
e a edição esgotou-se imediatamente. Já está sendo rodada a segunda
edição, aumentada, que, novamente, será publicada pela Unama e será
distribuída pela Saraiva, de São Paulo. A apresentação é do doutor em
Direito pela USP e mestre paraense Antônio José de Mattos Netto e a
'orelha' foi escrita pelo renomado jurista e filósofo Miguel Reale, que,
com 95 anos, ainda estuda, trabalha, produz, escreve, inclusive, no jornal
'O Estado de S. Paulo', quinzenalmente.
Em nosso sistema, romano-germânico, de Direito escrito, prestigia-se a
lei, que é a primeira e mais importante fonte do Direito. Mas a lei,
sobre determinada questão, pode ser omissa. Por mais sabido e previdente
que seja, o legislador não consegue regular todas as situações que
surgirão no meio social. Mas o artigo 4º da Lei de Introdução resolve,
afirmando: 'Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com
a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito'.
Perguntou-me um aluno, recentemente, se os tratados jurídicos, as obras
dos jurisconsultos, enfim, se a doutrina não seria fonte do Direito.
Respondi que não. Não existe força vinculante na exposição dos
escritores. A opinião ou o parecer de um jurisconsulto, por mais
prestigiado que seja, não se converte em preceito obrigatório. Se a
doutrina fosse considerada fonte do Direito, se tivesse força normativa
equiparada à da lei, as congregações das faculdades de Direito, as
academias jurídicas concorreriam com o Congresso Nacional, que exerce o
Poder Legislativo. Não se pode, todavia, negar a importância da obra
doutrinária, dos comentários a códigos e leis, dos tratados, das
monografias, para a construção e desenvolvimento do Direito, gozando de
largo prestígio, de autoridade moral, funcionando como fonte indireta do
Direito. Além de tudo, na ciência jurídica, que evolui a cada instante, que muda e se transforma a cada momento, conforme as exigências sociais, não pode haver alguém que exprima a palavra definitiva e final sobre qualquer matéria. O autêntico jurista é aquele que reconhece que sabe pouco e se estudar a vida inteira não vai conseguir dominar toda a ciência. Nesta área não há 'sabichões' ou 'donos da verdade'. Se encontrarem alguém que se diz ou dizem que é jurista, mas é vaidoso, imodesto, pedante, orgulhoso, arrogante, esse indivíduo pode ser outra coisa, mas jurista verdadeiro não é.
28.09.2006 |
Fonte: Publicado no "O Liberal" edição de 28.01.2006 |
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