Doença mental do cônjuge e separação 

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ZENO VELOSO
Jurista 

                                                               Há pessoas que se casam, são felizes, mantêm vida em comum para sempre e morrem casados. É uma bênção! O ideal seria que todos os casamentos fossem assim. Mas não são, e o direito precisa fornecer meios para que os casamentos mal-sucedidos sejam desfeitos. Absurdo maior da conta seria obrigar pessoas que se odeiam, que não se suportam mais, a viver sob o mesmo teto, numa hipocrisia extrema e até perigosa, fingindo que nada de ruim está acontecendo.

Em nosso País, para resolver a questão da falência do matrimônio, regra geral, os cônjuges não podem, desde logo, requerer o divórcio e extinguir o casamento de uma vez por todas, que é o que ocorre em muitos outros ordenamentos. Aqui, em primeiro lugar, vem a separação e só depois, por conversão, o divórcio. Somente no caso de existir uma prévia separação de fato por mais de dois anos é que o divórcio pode ser requerido imediatamente, por um ou por ambos os cônjuges, e se chama, então, divórcio direto (Código Civil, art. 1.580, § 2º).

A separação pode ser feita por mútuo consentimento (amigável) - em juízo ou através de uma escritura pública –, se os cônjuges já são casados por mais de um ano (Código Civil, art. 1.574; Lei nº 11.441/2007). Esse lapso temporal é absolutamente necessário para que tal espécie de separação (consensual) seja feita.

Mas a separação pode ser requerida por um dos cônjuges, e se chama, então, separação litigiosa, quando quem requer é o autor e o outro cônjuge o réu.

Enquanto na separação consensual ou amigável basta a demonstração do lapso temporal, acima referido, na separação litigiosa precisa ser apresentada uma causa, um fato, uma razão.

São causas objetivas: 1) a ruptura da vida em comum há mais de um ano e a impossibilidade de sua reconstituição (Código Civil, art. 1.572, § 1º); 2) o fato de o cônjuge estar acometido de doença mental grave, manifestada após o casamento, que torne impossível a continuação da vida em comum, desde que, após uma duração de dois anos, a enfermidade tenha sido reconhecida de cura improvável (Código Civil, art. 1.572, § 2º).

As causas subjetivas dizem respeito a qualquer ato que importe grave violação dos deveres do casamento e torne insuportável a vida em comum (Código Civil, art. 1.572, caput). Aqui, trata-se da culpa. Nosso legislador, de modo exemplificativo, elenca algumas causas ou motivos que podem caracterizar a impossibilidade da comunhão de vida: adultério, tentativa de morte, sevícia ou injúria grave, abandono voluntário do lar conjugal, durante um ano contínuo, condenação por crime infamante, conduta desonrosa. Entretanto, além desses, o juiz poderá considerar outros fatos que tornem evidente a impossibilidade da vida em comum (Código Civil, art. 1.573).

Questão sempre complicada, controvertida, que enseja opiniões conflitantes, é a relativa à doença mental. Berenice Dias enxerga uma crueldade de quem pede a separação, estando o cônjuge acometido de grave e incurável mal, e visando a desestimular tais pedidos, são impostas sanções a quem assim age, ficando o autor sujeito a perder a meação dos bens remanescentes que o enfermo levou para o casamento. Sérgio Gischkow Pereira discorda dos que acusam o cônjuge de querer, imoral e perversamente, livrar-se do que está doente, afirmando: 'É mais imoral e perverso obrigar alguém a ficar ao lado de um doente mental; terminaremos produzindo mais um doente e cultivando a hipocrisia na relação familiar'.

Qual é o parecer do meu caro leitor sobre este tema?

O Código Civil argentino, art. 203, autoriza o pedido de separação judicial em razão de alterações mentais graves e de caráter permanente, surgidas de alcoolismo ou do vício de drogas, acaso provoquem transtornos de conduta que impeçam a vida em comum, ou a do cônjuge enfermo com os filhos.

Este é um dos mais complexos e dolorosos assuntos do Direito de Família.

Mas, sem dúvida, pessoa que suporta esse martírio e permanece casada, firme e solidária, caminhando num verdadeiro calvário, apesar dos agravos, dos tormentos, transtornos e, até, das agressões morais e físicas que sofre, é mais que gente; é um santo.

29.03.2008 

Fonte: Jornal "O Liberal" - edição 23.02.2008

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