eFEITOS DA REVOGAÇÃO DA DOAÇÃO |
ZENO
VELOSO
Jurista
Recebi carta de um leitor, de Natal, e ele informou que leu alguns
artigos que publiquei. Chama-se Reinaldo Lemos e explicou que há dois anos
adquiriu apartamento de um tal Leonardo Souto, que não conhecia, mas foi
apresentado pelo corretor. Fechou o negócio e convocou um tabelião, de sua
confiança, para lavrar a escritura de compra e venda. 'Para fazer economia e
diminuir despesas', o vendedor sugeriu que fosse dispensada a exibição de
certidões negativas. Mas o comprador, que não era bobo nem nada, fez questão
de que constassem na escritura as certidões negativas de ônus, taxas,
tributos, e de que o vendedor não respondia a qualquer ação judicial que
pudesse, futuramente, repercutir no negócio que estava realizando. Comprar imóvel
dispensando certidões negativas, realmente, além da burrice, representa
completa irresponsabilidade. Mas, no caso concreto, as certidões foram
pedidas e atestaram que estava tudo bem, o vendedor não respondia a nenhum
processo, o apartamento não estava hipotecado, nem penhorado, se apresentando
livre de ônus, quites com o IPTU e taxas de condomínio. Eis que, agora, o dono do
apartamento, Reinaldo, recebeu uma notícia que o abateu de tal forma que
ele teve de ser hospitalizado, com um começo de enfarte. O sujeito que
lhe vendeu o bem havia recebido o imóvel por doação de um tio, Júlio
da Silva, rico comerciante de Mossoró (cidade progressista, mais
importante do Rio Grande do Norte - que me perdoem os natalenses - e de
onde veio o amigo Francisco Pio). Ocorre que o sobrinho, Leonardo, se
envolveu numa briga feia por causa da herança do avô e, após uma
acalorada discussão, deu uma surra no tio, Júlio da Silva, e este, além
de dar queixa-crime, ingressou com ação na Justiça, com base nos
artigos 555 e 557, inciso II, do Código Civil, pleiteando a revogação
da doação, em conseqüência da ingratidão do donatário. Diante dos
fatos exuberantemente provados e com base nos citados artigos do Código
Civil, o juiz expediu a sentença, determinando a revogação da doação
do apartamento, feita por Júlio a seu sobrinho, Leonardo. Consultado um advogado,
este disse, gravemente, que a situação de Reinaldo era terrível, pois
se tratava de propriedade resolúvel e a revogação da doação tornava
sem efeito todos os atos de alienação posteriores, e concluiu,
solenemente: 'O desfazimento, atualmente, da doação, tem efeito ex tunc.
Diante desta expressão em latim, o pobre homem quase morreu, de uma vez
por todas, mas o causídico fez a gentileza de traduzir: 'Isso quer dizer
retroativamente'. Um parente de Reinaldo aconselhou-o a pedir uma segunda
opinião, sugerindo que consultasse o advogado Aldo de Medeiros, que tem
endereço em Petrópolis, não na cidade serrana imperial, mas este é o
nome de um bairro de Natal. Dr. Aldo, a meu ver, com razão, disse a
Reinaldo que dois dispositivos do Código Civil regulam a propriedade
resolúvel, os artigos 1.359 e 1.360. Se fosse aplicável ao caso o
primeiro deles, realmente, o dono do apartamento estava liquidado, teria
perda total, pois a aquisição que ele fez estaria desfeita pela projeção
retroativa da sentença. Porém, na questão sob exame, a resolução da
propriedade se deu por 'causa superveniente', a agressão física contra o
doador, demonstrando a ingratidão do donatário, e se aplica não o art. 1.359, mas o art. 1.360 do Código, ou seja, o título anterior, de compra e venda do apartamento, fica incólume, não vai ser atingido pela resolução posterior (e por causa superveniente) da doação. Cabe ao doador, Júlio da Silva, cobrar de seu sobrinho ingratalhão e covarde o valor do bem que havia doado a ele; mas o 'valor' do bem, não o 'bem em si', que já é e continua sendo de quem o comprou, Reinaldo. 20.06.2008 |
Fonte: Jornal "O Liberal" - edição 05.04.2008 |
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