DOAÇÃO DE PAIS A FILHOS

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ZENO  VELOSO
Jurista

Um comerciante, que tem vários imóveis (em Belém e em Fortaleza), é casado sob o regime da comunhão universal de bens e tem três filhos, pretende passar, logo, todos os seus bens, em partes iguais, aos filhos, pois acha que ele e sua esposa não viverão muitos anos mais, e, deseja livrar os descendentes dos custos e dificuldades de um processo de inventário, além de evitar que eles venham a se desentender e brigar por causa da herança.

Consultou-me e eu disse que o casal podia fazer a doação, inclusive. de todos os imóveis, deixando os bens aos filhos, em condomínio, ou determinando o que caberá a cada um deles, promovendo a divisão e a partilha, em vida.

Disse-me que um amigo lhe informara que a lei considera nula a doação que alguém faça de todos os bens, e eu expliquei que, realmente, o Código Civil proíbe a doação universal, a doação de todos os bens , sem reserva de parte, ou renda suficiente para a subsistência do doador. Não quer o legislador que o doador, com o ato de liberalidade, seja reduzido à miséria, sem ter recursos para sobreviver, e fique dependendo da caridade alheia. Dizia o meu querido Cléo Bernardo: "A ingratidão é maior do que a floresta" e, muitas vezes, os que mais ganham e recebem são incapazes de estender a mão a quem lhes beneficiou. Mas a questão fica resolvida se o doador mantém em seu patrimônio algum bem ou alguns bens - e, aí a doação já não seria universal-, ou se, mesmo doando todos os bens, reserva renda suficiente para sua subsistência.

Portanto, aconselhei-o a fazer doação de todos os bens para seus três filhos, porém reservando o casal o usufruto vitalício dos mesmos bens, deixando claro na escritura que, com a morte de algum dos doadores, o usufruto, na totalidade, ficaria consolidado no sobrevivente, de forma que somente com o falecimento dos dois doadores é que os filhos teriam a propriedade livre e plena dos imóveis.

A reserva de usufruto garante renda e subsistência para os doadores, pois, esses, com relação aos imóveis, têm direito à posse, uso, administração e percepção dos frutos. Mesmo já sendo os filhos os proprietários dos imóveis, quem os administra são os doadores, na qualidade de usufrutuários, que, por exemplo, podem alugá-los, recebendo e embolsando os aluguéis. Mas não podem mais vendê-los, pois os donos já são os filhos.

Os doadores, para maior segurança, devem estabelecer na escritura que os bens doados aos filhos ficam gravados com a cláusula de incomunicabilidade.  Isto quer dizer que o bem será de propriedade exclusiva dos donatário, não se comunicando com o cônjuge (marido ou mulher). Mesmo que o filho (ou filha) seja casado sob o regime de comunhão universal, se , depois, vier a se separar da mulher (ou do marido), o bem que recebeu em doação dos pais não vai ser dividido, nem vai entrar na partilha do casal. A cláusula da incomunicabilidade é um forte antídoto contra o chamado "gole do baú".

Cpm relação às despesas com a escritura pública de doação, ela é muitas vezes menor do que as que terão de ser atendidas num inventário. Mesmo assim, terá de ser pago o imposto de transmissão, ao Estado, que é de 4% sobre o valor real de cada imóvel (geralmente, sobre o valor que consta no lançamento do IPTU), e, além disto, as custas do notário e os emolumentos do registro de imóveis. Não basta outorgar a escritura pública, é preciso, em seguida, levá-la ao registro de imóveis, para que fique constando a transferência de propriedade para os donatários e o usufruto dos doadores. O tabelião e o oficial do registro de imóveis cobram por seus serviços em função do valor dos imóveis, e as custas são previstas e fixadas em lei.

Finalmente, se os doadores quiserem mais segurança, ainda, prevendo a hipótese de terem de alienar, futuramente, algum bem, podem exigir dos filhos que lhes passem uma procuração, irrevogável e irretratável , dando poderes para vender os bens que receberam em doação. No momento em que os filhos estão sendo gratificados, assinam tudo o que os pais pedirem, com certeza. Depois, a história é muito diferente. Conheço caso de um pai que doou alguns bens para os filhos e até reservou o usufruto dos imóveis. Mas, para atender despesas enormíssimas, para viagem e tratamento de saúde, precisou vender dois dos apartamentos, o que não pôde fazer porque os filhos se negaram a assinar a escritura.                

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Fonte: Publicado no "O Liberal" edição de 03.08.2002

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