Direito ao sigilo de dados |
Antônio
José Mattos
Advogado, professor da UFPA e da Unama e
doutor em Direito pela USP
A
vida privada do cidadão na pós-modernidade é, cada vez mais, invadida por
mecanismos engendrados pelos governos, apesar do Estado pós-moderno prescrever
normas que garantem o direito ao privatismo da vida individual. Esta invasão
é plano de ação implementado tanto nos países centrais quanto nos periféricos
do mundo contemporâneo: nos primeiros, motivado pelo terrorismo; nos segundos,
pela corrupção e narcotráfico. O
Brasil não foge à regra. Tem sido comum esta prática. Assim, no Rio Grande
do Sul, o Ministério Público Federal ajuizou ação civil pública visando
ao acesso direto, por parte de membros do Ministério Público, a dados cadastrais
de clientes de empresas de telefonia móvel e fixa que estivessem sendo investigados
penal e civilmente. O juiz federal concedeu, em medida liminar, o pedido,
obrigando a empresa Claro a fornecer diretamente aos procuradores da República
os dados de clientes investigados, sob pena de, não o cumprindo, pagar multa
de R$10 mil para cada caso de recusa comprovada. A
empresa de telefonia recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF) ajuizando
Ação Cautelar (AC 1928) e seu vice-presidente, ministro Gilmar Mendes, suspendeu,
também em medida liminar, a decisão da Justiça Federal gaúcha, desobrigando
aquela empresa de telefonia móvel de fornecer os dados. Serenamente,
disse o ministro que a proteção do sigilo de dados não é um direito absoluto,
mas a quebra dessas informações 'deve ocorrer com observância de procedimento
estabelecido em lei e com respeito ao princípio da razoabilidade, a fim de
permitir maior controle sobre eventuais abusos'. Razão
assiste ao ministro. A Constituição Federal de 88 garante, em uma de
suas cláusulas ditas pétreas (art. 5º, inciso XII), que 'é inviolável
o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados
e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem
judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de
investigação criminal ou instrução processual penal'. A lei que
regulamenta a interceptação da comunicação telefônica é a 9.296, de
24 de julho de 1996. É
clarividente que o princípio constitucional é o do resguardo do sigilo
de dados, sendo apenas excepcionalmente quebrado por motivo justo, embora,
no dia-a-dia, tenhamos a sensação que a exceção é a regra. Há,
portanto, um choque entre dois interesses: o privado do cidadão de ter
assegurado o sigilo de dados e a segurança da sociedade que deve ser
preservada a partir da repressão policial/judiciária do Estado. Neste
entrechoque, salta aos olhos que deve sucumbir o interesse privado toda
vez que estiver contrariando o Direito. Mas,
para se chegar aos dados constitucionalmente tutelados, há de se obedecer
aos ditames legais. E, como disse o ministro, dentro do princípio de
razoabilidade. Ou seja: sem abusos, indiscriminadamente, sem legítima
justificação. Por esses contornos garantem-se o privatismo da vida cidadã e a paz e a segurança sociais, em nome maior da dignidade humana. 30.01.2008 |
Fonte: Jornal "O Liberal" - 20.01.2008 |
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