DEIXEM  O  HOMEM  CASAR
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ZENO  VELOSO
Jurista
 

                           

       Um dos tesouros de minha biblioteca é o livro de memórias 'As curvas do tempo', de Oscar Niemeyer, com dedicatória do autor. No início da obra, vem a mensagem do imortal arquiteto que projetou Brasília: 'Não é o ângulo reto que me atrai nem a linha reta, dura, inflexível, criada pelo homem. O que me atrai é a curva livre e sensual, a curva que encontro nas montanhas do meu país, no curso sinuoso dos seus rios, nas ondas do mar, no corpo da mulher preferida. De curvas é feito todo o universo, o universo curvo de Einstein'.

     Oscar casou-se em 1928 com Annita Baldo, filha de imigrantes italianos provenientes de Pádua, falecida em outubro de 2004. Tiveram uma filha, Anna Maria. O matrimônio durou 76 anos. Numa passagem de seu livro, o mestre diz que o casamento é sempre uma aventura inesquecível: 'Uma aventura cheia de surpresas, que só o tempo pode definir'.

     O revolucionário Niemeyer, sob alguns aspectos, é um conservador. Aos 98 anos (vai fazer 99 no 15 de dezembro), tanto tempo depois da queda do muro de Berlim, do esfacelamento da União Soviética, da falência do marxismo, continua fiel ao ideário comunista. Não surpreende que ele mantenha reverência à instituição do casamento. Tanto assim que, no dia 16 de novembro de 2006, casou-se em segundas núpcias com Vera Lúcia Guimarães Cabreira, sua antiga colaboradora, secretária de seu escritório de arquitetura. Setores da imprensa do Rio de Janeiro noticiaram que o casamento sofreu forte oposição de boa parte da família de Niemeyer (que tem uma filha, quatro netos, 13 bisnetos e cinco trinetos).

     Nos termos do artigo 1.641, II, do Código Civil, é obrigatório o regime da separação de bens deste casamento. Tanto o marido, Oscar, como a mulher, Vera Lúcia, já completaram 60 anos. O legislador como que presume que o casamento em idade avançada é motivado por interesses patrimoniais, e, por isso, vem em defesa do idoso que se apaixona, achando que está fragilizado, e estabelece o regime da separação para protegê-lo do 'golpe do baú'. Muitos acham que esta norma do artigo 1.641, II, do Código Civil, além de discriminatória, é perdidamente inconstitucional, pois viola o princípio da igualdade e o da dignidade da pessoa humana. No livro 'Direito de Família Contemporâneo' (Del - Rey, Belo Horizonte, 1997) desenvolvi a matéria, dei o meu parecer e transcrevi a opinião de meu mestre e saudoso amigo Silvio Rodrigues, para quem a tutela excessiva do Estado sobre pessoa maior e capaz decerto é descabida e injustificável. Aliás, pondera o professor: 'talvez, se possa dizer que uma das vantagens da fortuna consiste em aumentar os atrativos matrimoniais de quem a detém. Não há inconveniente social de qualquer espécie em permitir que um sexagenário e uma quinquagenária, ricos, se casem pelo regime de comunhão, se assim lhes aprouver'.

     E nem é o caso de Oscar Niemeyer, que jamais cobrou caro por seus projetos e fez muita caridade. Quando Luiz Carlos Prestes, o 'Cavaleiro da Esperança', depois de seu último exílio, envelhecido e pobre, retornou ao Brasil, sem ter um local digno para viver e passar os derradeiros anos de sua vida, ganhou de presente um apartamento do amigo e discípulo Niemeyer.

     Por causa do regime obrigatório de separação, a mulher de Niemeyer, se ele morrer antes dela, não vai concorrer à herança com a filha do arquiteto (Código Civil, artigo 1.829, I); porém, como viúva, terá direito a pensões e a continuar vivendo na residência do casal, se este for o único imóvel residencial que Niemeyer deixar.            

22.01.2007 

Fonte: Publicado no "O Liberal" edição de 25.11.2006

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