CREMAÇÃO
DE CADÁVERES |
ZENO
VELOSO
Jurista
Tem
aumentado muito, no Brasil, a procura por serviços de cremação de cadáveres.
Essa providência até vem sendo incentivada pela falta de espaço físico
nos cemitérios e razões de saúde pública. Por outro lado, já não
existe a forte reação contra a medida que, em tempos passados, a Igreja
manifestava. Nos países mais desenvolvidos, do Primeiro Mundo, a cremação
é muito difundida e utilizada, nos Estados Unidos especialmente, como me
informou a agente consular Christine Susan Moore Serrão, no seu português
perfeito, ela que é uma autêntica embaixadora de Tio Sam na Amazônia. Mas
é preciso analisar juridicamente a matéria. Como é possível efetuar-se
a cremação? Quais os requisitos? Que providências devem ser tomadas? Há
alguns anos, durante seminário, em Porto Alegre, conheci um jovem de
Encruzilhada do Sul, Justino Adriano Farias da Silva, que é grande
conhecedor da vida e dos livros de Pontes de Miranda. Em seguida, ele
escreveu uma obra singular, expressiva, chamada 'Tratado de Direito Funerário',
que foi publicada pela editora Método, em dois volumes, com quase 900 páginas
cada um deles. Um espanto! Recentemente, em Belém, Magda Sanjad Abou El
Hosn dedicou importante estudo sobre o tema, apresentando-o como dissertação
de mestrado, sob o título: 'O direito de sepultar: a natureza jurídica
do jus sepulchri nos cemitérios e as conseqüências no mundo jurídico',
que vai se transformar num livro e ela me pediu que o prefaciasse. Esses
autores, dentre muitos outros assuntos ligados à matéria, abordam, do
ponto de vista religioso, moral e jurídico, a questão do destino que
deve ser dado aos restos mortais dos seres humanos. A regra geral continua
sendo o sepultamento e a exceção a cremação. Tenho
estado impressionado com o número de pessoas que me consultam,
interessadas na matéria, dizendo que pretendem ser cremadas quando
morrerem, pedindo orientação, querendo saber como devem proceder. No
Código Civil, há o artigo 14, afirmando que é válida, com objetivo
científico, ou altruístico, a disposição gratuita do próprio corpo,
no todo ou em parte, para depois da morte, ressalvando o preceito que o
ato de disposição pode ser livremente revogado a qualquer tempo. A lei nº
9.434, de 4 de fevereiro de 1997, regula a disposição para depois da
morte de tecidos, órgãos e partes do corpo humano para fins de
transplante. A autorização para retirada de partes do corpo poderá ser
dada pelo próprio doador ('e em vida', haveria de advertir o rei da
obviedade, o conselheiro Acácio, personagem imortal de Eça de Queiroz),
e é revogável, não estabelecendo a lei uma forma especial, podendo ser
através de um simples documento, de um testamento, de uma escritura pública.
Fundamental é que seja um escrito. Não havendo essa autorização prévia,
do doador, a retirada de tecidos e órgãos do falecido precisa ser
autorizada pelo cônjuge sobrevivente ou parente maior de idade, observada
a ordem da vocação sucessória. Mas, até agora, falei de disposição gratuita do próprio corpo, para depois da morte, fazendo uma analogia com a questão da cremação. Alguns dispositivos têm sido utilizados para a cremação quando apenas se referem à disposição gratuita do corpo para estudos de anatomia humana ou para transplante. É uma confusão que precisa ser evitada. A cremação vem tratada em outra norma legal, o art. 77, § 2º, da Lei nº 6.015, de 13.12.1973 (Lei dos Registros Públicos), que prevê: 'A cremação de cadáver somente será feita daquele que houver manifestado a vontade de ser incinerado ou no interesse da saúde pública e se o atestado de óbito houver sido firmado por 2 (dois) médicos ou por 1 (um) médico-legista e , no caso de morte violenta, depois de autorizada pela autoridade judiciária'. Walter Ceneviva ('Lei dos Registros Públicos Comentada', Saraiva: São Paulo, 17ª edição, 2006, nº 196, página 195) afirma que essa norma, acima transcrita, é de direito material, a ser observada pelo responsável pelo forno crematório, ao qual incumbe verificar a manifestação do falecido ou o interesse da saúde pública, observando o autor que, mesmo tendo a pessoa feito, em vida, declaração de que queria ser cremada, há necessidade de autorização judiciária, para tanto, se a morte foi violenta, isso é, decorreu de crime, acidente ou suicídio. 30.04.2008 |
Fonte: Publicado no "O Liberal" edição de 19.04.2008 |
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