CONCUBINA VAI PASSAR FOME |
ZENO
VELOSO
Jurista
Antes de falar sobre o tema de hoje, permitam-me registrar que recebi
alguns telefonemas, inclusive mensagens escritas de leitores e amigos, falando
de minha aposentadoria. Até fiquei comovido. Realmente, pedi que se fizesse o
levantamento de meu tempo de serviço na Universidade Federal do Pará.
Mencionei em minhas turmas e numa palestra que estava prestes a deixar a
faculdade, e daí espalhou-se a notícia. Tenho tido dificuldade para
conciliar minhas atividades e trabalho com os convites que preciso atender
para participar de cursos, exposições e seminários em várias partes,
especialmente em algumas universidades, escolas de advocacia e magistratura.
Assim, pensei em realizar essas viagens num período concentrado, de dois a três
meses por ano, quando passaria esse período fora daqui e deixaria de ficar
viajando o tempo inteiro. São planos. Mas só isso! Não vou me mudar de Belém,
até porque não há melhor lugar que este no mundo inteiro para se nascer e
viver. Já pensou abandonar uma terra cuja padroeira é a mãe de Deus? Já
imaginou deixar uma cidade em que o sujeito é conterrâneo de Jesus Cristo? Conversei por telefone com
o professor Euclides de Oliveira, disse a ele que estava indo passar o fim
de semana em Vitória, para um encontro de magistrados, e iria falar nas
modalidades de família atualmente existentes no direito brasileiro.
Mestre Euclides sugeriu que eu desse ênfase nas chamadas famílias
paralelas ou famílias simultâneas, isto é, aquelas constituídas à
margem do casamento ou da união estável, e me enviou uma recentíssima
decisão da 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), que adotou uma
posição bastante conservadora sobre o tema, fazendo uma interpretação
baseada no direito legislado e estrito, ao julgar o Recurso Extraordinário
397.762-8, da Bahia. O caso é o seguinte: o
baiano Valdemar foi casado com Railda, e viveu décadas de muita
felicidade, tendo 11 filhos com ela. Mas, simultaneamente, convivia com
Joana, e foram também décadas de muita alegria, tendo nove filhos com a
mesma. Com a morte do varão (e bote varão nisso!), o Tribunal de Justiça
da Bahia entendeu que a pensão deixada por ele, que era fiscal de rendas,
devia ser dividida entre a esposa e a mulher com quem mantinha a antiga
união paralela. Mas houve recurso para o STF. O relator, ministro Marco
Aurélio, citando a Constituição e o Código Civil, considerou que o
relacionamento entre Valdemar e Joana não configurava uma união estável,
esta, sim, uma entidade familiar, reconhecida e considerada, mas, como o
figurante permanecia casado e vivia com sua esposa, estava impedido de
casar, dado nosso sistema monogâmico, e, assim sendo, Joana era mera
concubina de homem casado, companheira jamais, e não tinha direito à
pensão alguma. Seguiram este voto os ministros Carlos Direito, Carmem Lúcia
e Ricardo Lewandowski. Mas houve um voto contrário,
que ficou vencido, e eu falei com o autor do mesmo, ministro Carlos
Britto, por quem nutro antiga, grande admiração, estima, e ele me
remeteu, por e-mail, o seu arrazoado, que é de extrema beleza, uma
verdadeira peça jurídica, que precisa ser divulgada, estudada,
conhecida. Para Carlos Britto, afastadas as questiúnculas formais ou
literais, à luz do Direito Constitucional brasileiro, havia se formado,
no caso, um novo e duradouro núcleo doméstico, um lar - embora paralelo
- com subjetivo ânimo de permanência que o tempo objetivamente confirma.
É tudo o que gostariam de ouvir alguns eminentes juristas, integrantes do
nosso IBDFAM, que defendem essa tese, como: Ana Carla Harmatiuk Matos,
Carlos Cavalcanti de Albuquerque Filho, Carlos Eduardo Pianoviski Ruzyk,
Viviane Girardi, Maria Berenice Dias e Paulo Luiz Netto Lôbo. Carlos Britto, marido de Rita, notável figura de professor e jurista, é também um grande poeta, e disse no seu luminoso voto que ambas as mulheres tiveram a mesma perda, e considerando os nomes das partes: Valdemar do Amor Divino Santos e Joana da Paixão Luz, afirmou que isso não era apenas uma coincidência: 'Aquilo era um sinal. O encontro dos dois estava escrito nas estrelas. É o encontro entre o Amor e a Paixão'. E mais não disse, e nem precisava dizer. Acho eu, sinceramente, que era justo e razoável que Joana, depois de tantos anos, tivesse direito à metade da pensão do homem com quem viveu a vida inteira e com quem teve tantos filhos que quase daria pra formar um time inteiro de futebol. 01.08.2008 |
Fonte: Jornal "O Liberal" - edição 14.06.2008 |
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